"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

sábado, 30 de janeiro de 2010

Braveheart


"Uma das suas acrobacias consistia em beber um litro de cerveja, mantendo a cabeça para baixo e com os pés apoiados numa parede, um número estrambólico difícil de imaginar e impossível de eu reeditar."
Gennaro Gattuso sobre Stuart McCall, hoje em entrevista ao i.

Primeiras braçadas

O diabo está nos detalhes

Quem leve a sério os discursos políticos tenderá a acreditar que há um amplo consenso em torno da contenção da despesa. Na verdade, podemos mesmo chegar a crer que está em curso um campeonato para saber quem é mais favorável à disciplina orçamental. O problema é que os discursos não resistem ao teste da realidade. Como provaram as negociações pré-orçamentais, há entre nós uma notável incapacidade de consensualizar acordos de contenção da despesa quando se passa da discussão abstracta para o concreto. Depois de os partidos todos terem estimulado a consagração de um regime de excepção para as carreiras dos professores, ao mesmo tempo que é pedido um esforço solidário aos funcionários públicos, assistimos a uma espécie de pré-discussão na especialidade que não deu nenhum contributo para diminuir estruturalmente a despesa. Perante desequilíbrios orçamentais que não se vê como possam ser ultrapassados até 2013, fica claro que não bastam "abstenções construtivas"; é necessária uma coligação formal em torno de um programa plurianual para equilibrar as contas públicas. Como se encarregará de demonstrar a discussão orçamental na especialidade, o Diabo - o aumento da despesa - estará nos detalhes. Com acordos de navegação à vista, poderemos dar o benefício da credibilidade a Teixeira dos Santos (que se apresentará com renovada capacidade de fazer estimativas), aguardar a retoma económica ou até esperar a complacência dos mercados, mas o mais certo é caminharmos inexoravelmente para o Purgatório.
publicado no i.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Mulheres de Brooklyn



"viajo de imediato, mesmo descalço e sem camisola", palavras de Job (Petro de Luanda)

O regresso dos homens sem rosto

Fixem este nome: Anthony Thomas. Ele é o novo homem sem rosto. O mais provável é que, a esta hora, se encontre fechado num gabinete em Londres às voltas com a leitura do Orçamento do Estado português. A empresa para a qual trabalha, a Moody's, vive uma profunda crise de credibilidade, afectada pelos erros de avaliação que, com outras agências de rating, cometeu e que foram relevantes no desencadear da crise financeira. Naturalmente que os erros cometidos têm custos: Anthony Thomas e os seus colegas agem como animais acossados, que atacam ao mais pequeno sinal de fragilidade. Em teoria, são fiéis intérpretes do modo como o mercado percepciona o risco; na prática não é tanto assim. Ainda esta semana, os mercados procuraram obrigações do Estado grego a um ritmo três vezes superior ao esperado. Ou seja, os analistas foram contraditados pelo próprio mercado. Logo, não podemos deixar de pensar que a "confiança dos mercados" é também um eufemismo para potenciar movimentos especulativos. Perante isto, pode um Estado como Portugal agir de outro modo e não cuidar do modo como os mercados nos olham? Não, até porque a dimensão dos nossos desequilíbrios orçamentais é assustadora. O drama é que, enquanto a política orçamental se torna numa gestão de fatalidades, um ano após a crise, o mundo esqueceu-se de discutir as suas causas e de as enfrentar. Aceitamos hoje, com assinalável complacência, que os homens sem rosto ajam como faziam há um ano, quando devíamos estar a procurar uma alternativa às agências de rating.
publicado hoje no i.

Continua a nadar

"I was trying desperately to write a couple of lines, and in a few minutes [Beck] had a whole song. I suggested some of the song titles, wrote a line or two here and there. But really, Beck did everything."
Charlotte G. (aqui no Letterman sem o Beck)



e aqui, já acompanhada.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Filha de peixe sabe nadar



Muito provavelmente o melhor disco do Beck desde Sea Change e ela canta mesmo.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O mundo está a olhar para nós

O exercício orçamental de 2010 não se limita à tradicional relação entre despesa e receita e ao modo como aquela orientará as políticas públicas. Na ressaca da crise internacional, este Orçamento é também uma lei para consumo externo. Com as agências de rating a viverem uma violenta crise de credibilidade, a malha com que olham o comportamento das contas públicas tornou-se bem mais apertada. Com a reacção dos mercados ao caso grego e com os efeitos de contaminação de toda a zona euro, Portugal acabou por ver a sua exposição ao risco significativamente aumentada.
Este novo contexto deixou-nos perante um dilema, divididos entre o Orçamento de que a economia e o mercado de trabalho precisavam e o sinal que é imperioso dar para abrandar a pressão das agências de rating. Com o espectro de um aumento dos custos de financiamento da economia portuguesa a pairar, ficámos sem margem para escolher e de facto perdemos parte da nossa soberania política.
A contenção da despesa corrente primária, os cortes no investimento e as negociações políticas à direita servirão para que os mercados olhem com tímida satisfação para o OE 2010 – que ainda assim tenderão a considerar insuficiente. Mas pelo caminho parece ter ficado esquecido o primado do investimento público, que, ouvimos repetir, deveria nortear as boas respostas domésticas à crise internacional.
publicado hoje no i.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Benfica 1 - Radiohead 0


aqui.

A justiça no YouTube

"(...) ao mesmo tempo que é tão fácil para o nosso sistema escutar alguém (sem que seja garantido que o conteúdo dessas escutas é reservado e não cai no domínio público), continua a ser tão difícil "escutar" se, por exemplo, um juiz, um magistrado do Ministério Público, um funcionário judicial ou um advogado falou com um jornalista sobre elementos de um processo."

do meu artigo de hoe no Diário Económico.

sábado, 23 de janeiro de 2010

A troca orçamental

A incapacidade de a maioria aritmética de esquerda se traduzir numa coligação política é o mais estrutural dos bloqueios do nosso sistema partidário. Com uma maioria relativa do PS no Parlamento, o tema regressa à tona, com particular intensidade quando se discute o Orçamento do Estado. Um parlamento de esquerda que se revela incapaz de um entendimento em torno da lei fundamental para a governação. O paradoxo tem raízes sólidas.

Ao mesmo tempo que o PS não consegue hegemonizar à esquerda, as condições de diálogo têm sido impossibilitadas pelo efeito combinado - ainda que assimétrico - de um PS partido-charneira e de um BE e um PCP em acantonamento auto-infligido (sustentado por uma combinação que não encontra paralelo na Europa parlamentar entre irrealismo e conservadorismo).

Desta feita, há certamente bons argumentos para não haver um entendimento orçamental à esquerda, mas convém que sejam explicitados. Caso contrário, a ideia que fica é de que o PS desistiu de desbloquear a sua relação com a esquerda. Se assim for, o próprio governo chegará às próximas presidenciais numa situação muito delicada: emparedado entre Cavaco Silva, manifestamente hostil a Sócrates, e Manuel Alegre, cuja dinâmica política vai no sentido contrário à da maioria socialista. Sem candidato presidencial de facto e condenado pela realidade a uma troca orçamental com o PSD/CDS, o PS pode continuar a assumir-se como um referencial de estabilidade, mas vai lentamente delapidando a sua base política.

publicado no i.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O tecto de Cavaco

A História diz-nos que um Presidente ou primeiro-ministro eleito que se recandidate ganha as eleições. Mas a história também nos conta que Cavaco Silva tem um tecto eleitoral que não só nunca superou como se revela surpreendentemente estável - em 1987, 50,22%; em 1991, 50,60%; em 2006, 50,59%.

Ao longo destes quatro anos, Cavaco deu algum passo no sentido de alargar a sua base eleitoral? A resposta é não. Nesse sentido, o primeiro mandato de Cavaco foi atípico. Com o recurso a comunicações ao país que só introduziram ruído no debate; com uma inclinação para tutelar o seu espaço político de origem; e, acima de tudo, com uma reconversão de primeiro-ministro modernizador em Presidente conservador, numa altura em que o conservadorismo social está em retracção no país, Cavaco cristalizou a sua base de apoio. Pelo caminho, ao envolver-se por interposta pessoa nas disputas eleitorais, delapidou aquele que era o seu principal capital político: a ideia de que pairava acima da miséria da política partidária e que era um referencial de estabilidade e previsibilidade. A consequência é que, pela primeira vez, se discute a reeleição de um Presidente. Fica, contudo, uma dúvida: será Cavaco no último ano de mandato capaz de voltar a corporizar o apelo modernizador que fez parte da sua identidade e com isso ultrapassar o seu tecto e (re)conquistar o eleitorado central para a sua reeleição?

publicado no i.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A fotografia nº8

Onde está a fotografia nº8 estamos todos nós (operadores judiciais excluídos, está claro).

Imunidades

Unlike most of my Cambridge contemporaries, I was thus immune to the enthusiasms and seductions of the New Left, much less its radical spin-offs: Maoism, gauchisme, tiers-mondisme, etc. For the same reasons I was decidedly uninspired by student-centered dogmas of anticapitalist transformation, much less the siren calls of femino-Marxism or sexual politics in general. I was—and remain—suspicious of identity politics in all forms, Jewish above all. Labour Zionism made me, perhaps a trifle prematurely, a universalist social democrat—an unintended consequence which would have horrified my Israeli teachers had they followed my career. But of course they didn’t. I was lost to the cause and thus effectively “dead.”
Tony Judt continua a publicar as suas memórias por aqui e vale bem a pena ser lido.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Oi, get some exercise





Em Fevereiro, regresso, por DVD, a Warwick, 1994/95.

sábado, 16 de janeiro de 2010

O silenciamento de Marcelo

A RTP acabou com as escolhas de Marcelo mas, felizmente, a consequência não será o silenciamento de Marcelo. Pelo contrário, como, ainda assim, na televisão o mercado funciona, o professor limitar-se-á a ver o seu "preço" aumentar e acabará disputado entre vários media. Na verdade, o fim concreto do programa é o lado menos preocupante da decisão. Bem mais grave é a visão que ela tem implícita sobre a natureza da análise política e sobre o pluralismo.

Desde logo, não há comentário político independente, assente numa mirífica neutralidade axiológica. Pelo contrário, o comentário é alicerçado numa determinada visão política, que enquadra as análises. Contudo, e esse é o equívoco, uma coisa é analisar a partir de um posicionamento ideológico, outra é fazê-lo com base numa agenda partidária. Não há razão nenhuma que impeça um militante partidário de analisar a actualidade com autonomia face ao seu espaço de origem. Depois, o pluralismo não se garante nem ao cronómetro, nem com programas televisivos que se transformem em frisos parlamentares. Na verdade, se o argumento do contraponto a Marcelo for para levar a sério, para dois militantes do PSD na TV, deveriam existir três do PS, um do CDS, do BE e do PCP, sempre com uma distribuição dos tempos proporcional aos resultados eleitorais. Assim se vê como, ao contrário do que pensa a ERC, a forma menos má para garantir o pluralismo continua a ser deixar a questão entregue aos critérios autónomos de quem dirige editorialmente os media.

publicado hoje no i.

A verdade dele

Com assinalável sacrifício, cheguei ao fim do artigo de Fernando Lima no Expresso. Dois mil caracteres chegariam bem para dizer o que o pós-assessor pretendia, contudo, Lima optou por escrever, escrever e pouco dizer. Percebi, aliás, também por que razão nos destaques de ontem nos vários jornais não se percebia qual era o seu ponto. Afinal, se bem percebi, só há um: o Público inventou toda esta história e o DN denunciou, por métodos impróprios, a inventona. É, por isso, muito estranho o silêncio de quem no Público foi responsável pelas notícias sobre escutas.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A Grécia não é aqui

Portugal tem uma inclinação para o copianço. Consoante as preferências políticas, já quisemos emular o modelo irlandês, espanhol, finlandês e dinamarquês. Como era expectável, nunca conseguimos importar com sucesso o que correu bem noutras paragens. As importações acríticas vêm sempre acompanhadas de uma propensão para a engenharia social, insensível às especificidades nacionais. Mas se no passado a competição era na escolha do modelo de sucesso a imitar, entretanto foi inaugurado um novo desígnio nacional: escolher o país cuja desgraça vamos replicar.

Neste campeonato, a Grécia leva vantagem. Acontece que, sendo a nossa situação muito complexa, é, ainda assim, diferente da grega. Para um défice de 8% em Portugal, a Grécia apresenta 12,7%; para uma dívida pública de 77%, os gregos têm 113%. Temos também um lastro recente de capacidade de redução do défice e de reforma em domínios relevantes que a Grécia não apresenta. O que explica, como sublinhava o "Finantial Times", que, por comparação, a Grécia tenha um problema sério de credibilidade. Ainda assim, a Grécia tem uma vantagem política: um governo suportado numa maioria parlamentar que, contudo, coexiste com níveis de contestação extraparlamentar bem maiores que os nossos. Temos razões para estarmos preocupados? É evidente que sim. Mas temo que, quer no sucesso, quer no insucesso, a fixação no que acontece lá fora seja apenas uma forma de não enfrentarmos os nossos problemas específicos.

publicado hoje no i.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O escrete no Haiti

O Haiti é ali

What is already all too clear, ­however, is the fact that this impact will be the result of an even longer-term history of deliberate impoverishment and disempowerment. Haiti is routinely described as the "poorest country in the western hemisphere". This poverty is the direct legacy of perhaps the most brutal system of colonial exploitation in world history, compounded by decades of systematic postcolonial oppression.
O resto vale a pena ser lido neste artigo de Peter Hallward, no Guardian.

Grandes esperanças para 2010


Treme.

"Há muita falta de memória na política"



Numa altura em que o PS faz grande parte da sua demarcação ideológica com base nos temas pós-materiais, vale bem a pena ler isto.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Os professores como eles são?

Um dos aspectos mais negativos da hostilidade entre Governo e professores foi a revelação duma faceta desconhecida dos professores: o recurso ao insulto, por vezes grotesco, como arma política. Foi assim frequentemente nas manifestações, onde os insultos a Lurdes Rodrigues abundavam e ultrapassavam todos os limites aceitáveis, mas é, também, assim nos blogs de professores, mesmo naqueles que aparentemente são referência. Hoje, pela primeira vez, li com olhos de ler um desses blogs e não posso deixar de me questionar, parafraseando um comentário notável que por lá se lê, a propósito do meu artigo de ontem no Diário Económico: é a gente como esta que entregamos os nossos filhos de manhã, quando os vamos levar à escola?

Some moments last forever and some flare out with love love love

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A factura dos professores

da mesma forma que o país tem na factura energética uma das principais causas do endividamento externo, tem na factura dos professores uma das causas do crescimento da despesa orçamental. A este propósito, muitos têm optado por demonizar o papel dos sindicatos. Parece-me que é errado fazê-lo. Os sindicatos fizeram o seu trabalho. O que não se esperava era que os partidos, bem como o Presidente da República, sempre tão preocupados com os desequilíbrios orçamentais, tivessem dado cobertura política às reivindicações dos professores. No fundo, tudo isto serve para tornar claro como o discurso sobre a contenção da despesa não resiste ao teste da realidade.
do meu artigo de hoje no Diário Económico.

Let me mouth be ever fresh with praise



Left that place in ruin, drunk on the Spirit and high on fumes
Checked into a Red Roof in stayed up for several hours and then slept like infants
In the burning fuselage of my days
Let me mouth be ever fresh with praise

He has fixed his sign in the sky
He has raised me from the pit and set me high

Each morning new
Each day shot through
With all the sharps small shards of shrapnel
that seem to burst of me and you

(e há mais aqui)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Legados


Eric Rohmer (1920-2010)

Grandes esperanças para 2010


O disco novo dos Spoon pode ser ouvido integralmente aqui.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Tempo Perdido

Nos últimos três meses assistimos a um braço-de-ferro parlamentar, em que os partidos procuraram definir os contornos deste ciclo político. Perdemos tempo. Esta semana aconteceu o inevitável. Perante uma grave crise económica e social, com contornos orçamentais dramáticos, PS e PSD chegaram à conclusão óbvia: neste contexto estão condenados a entender-se. Com as condições de governabilidade bloqueadas à esquerda e com uma negociação casuística e multipartidária a provocar um aumento da despesa, o esforço de disciplina orçamental precisa de um entendimento estável. Mas uma coisa são as proclamações, outra é a prática concreta.
Desde logo, um entendimento precisa de previsibilidade e de interlocutores fiáveis. Se bem se percebe, o governo iniciou negociações com uma direcção demissionária. Ora não é preciso fazer um grande exercício de memória para recordarmos como, no passado recente, lideranças do PSD rasgaram compromissos assumidos pelas direcções anteriores. Depois, como escrevia Martin Wolf num notável artigo no "Financial Times", países como Portugal caíram na armadilha do euro, mas, descartada a hipótese de sair da moeda única, é uma fatalidade que os ajustamentos sejam feitos, em parte, do lado dos salários. Como mostra o dossiê da avaliação dos professores, uma coisa é a expressão abstracta de vontades, outra, bem diferente, é a capacidade dos partidos de se entenderem, de modo determinado, em torno da contenção salarial.
publicado no i.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Contributos para o Professor José Cid



A semana passada, numa livraria em Lisboa.
Eu: boa tarde, estou à procura da ilha, de um autor italiano de que não me recordo o nome. O livro é daquela editora nova, a ahab.
Rapariga da livraria, virando-se para uma colega: sabes onde é que está aquele livro, a ilha, daquela editora com nome árabe?

Na ausência de links neste blog, o professor José Cid já foi para o Google reader, assim como o córtex frontal, do josé medeiros ferreira e da joana amaral dias e o albergue espanhol, como o nome indica, de artistas vários, das mais diversas proveniências.

Os gays não são prioridade

Tal como o amor e o cartão de crédito, os chavões políticos têm uma atracção inicial que mais tarde traz complicações. A asserção é do politólogo Michael Waller e, como sabemos das nossas vidas privadas, é quase invariavelmente válida. Roubo-a porque, nas últimas semanas, ouvimos com frequência a repetição de um chavão que revela uma atracção inicial: o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é prioridade, designadamente num contexto de desemprego elevado.
O problema, desde logo, é que não há necessidade de ponderar entre, por um lado, conceder um direito com importante peso simbólico, que estava vedado a um conjunto de cidadãos com base na sua opção sexual, e, por outro, focar o essencial das políticas públicas nas questões económicas. Alargar um direito preexistente não colide com o esforço adicional que a crise requer das políticas públicas. Contudo, e isso é que é mais paradoxal, os mesmos que nos dizem diariamente que o tema do casamento gay não é prioritário associam-lhe, sempre, um ataque sem paralelo à família, uma instituição milenar.
Estão portanto a ver quais são as complicações: ou bem que estamos perante um ataque a uma instituição muitíssimo relevante e então o tema é uma prioridade absoluta (mesmo comparando com a consolidação estrutural das contas públicas), ou o argumento da não-prioridade não passa de uma manobra de diversão.
publicado no i.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Grandes esperanças para 2010

The eurozone’s next decade will be tough

"Where does that leave peripheral countries today? In structural recession, is the answer. At some point, they have to slash fiscal deficits. Without monetary or exchange rate offsets, that seems sure to worsen the recession already caused by the collapse in their bubble-fuelled private spending. Worse, in the boom years, these countries lost competitiveness within the eurozone. That was also inherent in the system. The interest rates set by the European Central Bank, aimed at balancing supply and demand in the zone, were too low for bubble-fuelled countries. With inflation in sectors producing non-tradeables relatively high, real interest rates were also relatively low in these countries. A loss of external competitiveness and strong domestic demand expanded external deficits. These generated the demand needed by core countries with excess capacity. To add insult to injury, since the core country is highly competitive globally and the eurozone has a robust external position and a sound currency, the euro itself has soared in value.
This leaves peripheral countries in a trap: they cannot readily generate an external surplus; they cannot easily restart private sector borrowing; and they cannot easily sustain present fiscal deficits. Mass emigration would be a possibility, but surely not a recommendation. Mass immigration of wealthy foreigners, to live in now-cheap properties, would be far better. Yet, at worst, a lengthy slump might be needed to grind out a reduction in nominal prices and wages. Ireland seems to have accepted such a future. Spain and Greece have not. Moreover, the affected country would also suffer debt deflation: with falling nominal prices and wages, the real burden of debt denominated in euros will rise. A wave of defaults – private and even public – threaten.
The crisis in the eurozone’s periphery is not an accident: it is inherent in the system. The weaker members have to find an escape from the trap they are in."
Martin Wolf no FT. vá e siga.

adenda: ainda sobre este artigo, o pedro lains diz, de forma imaculada e irrepreensível, o que eu queria dizer. além de que posta a versão em pdf do artigo, que poupa trabalho a quem não está registado no ft. igualmente imaculado e irrepreensível e, além do mais, muito claro é o que o joão pinto e castro acrescenta aqui.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

"I'm still a young guy"



"In this solo Tiny Desk Concert, his four songs fit nearly into distinct categories: new and quiet ("Hebrews 11:40"), new and loud ("Psalms 40:2"), old and quiet ("Color in Your Cheeks," from All Hail West Texas), and old and loud ("Going to Georgia," from Zopilote Machine). It's no surprise that all four approaches serve him well."
Se seguirem este link e aproveitarem para subscrever os podcasts dos concertos do "all songs considered" da NPR, vão poder ouver o John Darnielle num dos concertos da série "Tiny Desk". É uma pena que a minha geração vá demorar tanto tempo a descobrir que também tem direito ao seu Cohen/Dylan e o que mais quiser.
(obrigado à Mariana Trigo Pereira que partilhou o link)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Do desnorte

Vá lá saber-se porquê, o desnorte político é como a água, corre para o desnorte político. Esqueçam todos os exemplos dos últimos meses que têm assolado a governação e o partido socialista. Hoje, a crer no Diário Económico, e há boas razões para crer, ficámos a saber que o Governo sondou Souto Moura para dirigir o Centro de Estudos Judiciários. Ou seja, sondou Souto Moura para dirigir a instituição que forma os magistrados. A sondagem é grave em si - estamos a falar de Souto Moura, personagem que me abstenho de comentar -, mas é também grave "para si" - estamos a falar de alguém que iria formar os juízes em quem depositaríamos a justiça do país no futuro. Ou seja, se por acaso o inefável "gato constipado" tem aceite o lugar, o melhor mesmo seria "fazer a trouxa e zarpar".

domingo, 3 de janeiro de 2010

Por favor, MoveOn

No calor do escândalo Lewinsky, um grupo de activistas criou o movimento "MoveOn". Na sua génese, o objectivo era censurar o que havia a censurar no comportamento de Clinton e pressionar para que a política norte-americana - enredada em campanhas negativas e num processo de impeachment - se concentrasse no essencial: a economia e o emprego. Mais tarde, durante a presidência Bush, o movimento transformar-se-ia na mais importante organização grass-roots progressista, opondo-se à invasão do Iraque e contribuindo para a eleição de Obama.
No início deste ano, o paralelismo com Portugal não poderia ser maior.
Perante uma crise económica profunda, com contornos sociais dramáticos, a política portuguesa tem-se centrado em questões judiciais (Face Oculta); casos de polícia (BPN e BPP); patetices delirantes (a claustrofobia democrática); e desculpas de mau pagador (as coligações negativas).

Como se não bastasse, os actores políticos, do executivo ao Parlamento, passando pela Presidência, envolveram-se num jogo de passa-culpas, a fazer lembrar uma zaragata de recreio de escola primária - na qual, a certa altura, já pouco importa quem teve razão no início. Perante isto, a única coisa que podemos exigir para 2010 é que a política portuguesa siga em frente e se foque. Por exemplo, na discussão orçamental debatendo soluções. Mas, tendo em conta o que se tem passado nos últimos meses, temo que seja pedir de mais. Estaremos condenados à zaragata, nuns casos inconsequente, noutros contraproducente.

publicado no i.