"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Fazer a vontade

Há duas formas de olhar para o Benfica de hoje. Concentrarmo-nos no que se tornou estrutural – um clube que se habitou a ganhar – ou fixarmo-nos no que é conjuntural – uma equipa que pratica um futebol sofrível.

Os números são impressionantes e falam por si. Para o campeonato, 15 vitórias consecutivas fora; 227 dias sem derrotas, apenas um empate – contra o V. Setúbal – nas últimas 18 partidas e 27 jogos consecutivos sempre a marcar. Não há sorte que explique um registo destes e se pensarmos que, entre vendas e lesões, o Benfica perdeu quatro dos jogadores mais decisivos da temporada passada (Renato, Gaitán, Jonas e Jardel) e que tem apostado num onze titular com uma média de idades própria de uma equipa B, a formação de Rui Vitória ameaça ficar na história.

Contudo, hoje, também é caso para dizer que o Benfica vence, mas não convence. Lidera o campeonato e, com maior ou menor dificuldade, vai superando obstáculo atrás de obstáculo. A vitória em Chaves foi paradigmática. Tudo somado, o resultado foi justo, mas custa a perceber a razão para tanto sofrimento. Mais, não se entende o motivo para, de novo, se ter oferecido uma hora de jogo, com Salvio em campo, Pizzi na esquerda e Horta muito recuado.

O que nos recorda que Rui Vitória – que tem na mestria como gere a sempre complexa relação a três entre adeptos, balneário e direção uma das suas muitas qualidades – podia fazer a vontade aos adeptos e, enquanto não regressa Rafa, colocar Pizzi de novo à direita e dar mais oportunidades a Cervi e minutos a Carrillo e Zivkovic.

publicado no Record de terça-feira

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Dois Ferraris

Há dois Ferraris a rodar na 2ª Circular. Com algumas características distintas, mas igual potencial para ganhar a corrida ao título nacional. Depois de ter herdado uma equipa debaixo de uma tempestade emocional, consequência de uma preparação da temporada atribulada, Rui Vitória tem, desta feita, um plantel fortíssimo, com várias opções para cada posição – e capaz de resistir a uma época longa, em várias competições.
Se, no passado, a mestria de Vitória esteve na forma como soube gerir emocionalmente o balneário e inventar soluções que poucos vislumbravam (a aposta nos jogadores da B); esta temporada, o treinador do Benfica tem de demonstrar desenvoltura tática para dar espaço ao talento que abunda no plantel. Agora sim, ao volante de um Ferrari, Rui Vitória tem de continuar a vencer e gerir os egos de um plantel com qualidade e opções, mas em que nem todos vão poder jogar.
Jorge Jesus está igualmente sentado ao volante de um Ferrari. Com uma diferença: foi desenhado e concebido pelo próprio. Do plantel que recebeu, já só resta meia dúzia de jogadores. Todos os outros foram escolhidos por si, à sua imagem, e o poder de Jesus no Sporting é muito superior ao de Vitória no Benfica. A entrevista a Record foi sintomática: há um antes e um depois de Jesus em Alvalade e fica-se com a sensação de que, um dia, quando abandonar Alvalade, seguir-se-á o dilúvio.
Com tanta qualidade nos plantéis, este ano, ganhar a corrida dependerá muito da destreza dos condutores. Ah, por fora, corre um Porto que até pode beneficiar de partir com menos cilindrada e com as expectativas em baixo.
publicado no Record de terça-feira

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

.... E Jussara Correia


Poucas coisas geram tanto entusiasmo no adepto como o defeso. O vai-e-vem de jogadores alimenta sonhos de grandeza. Por estes dias, tudo nos é permitido: não há craque que não esteja para ser contratado pelo nosso clube. A comunicação social joga com isso e faz de rumores notícias. Até aqui, nada de novo – os adeptos gostam de ser iludidos. Faz parte do jogo.

Há, contudo, uma realidade paralela em torno das movimentações de mercado que convém ser esquecida, caso queiramos preservar a paixão pelo futebol. Direitos económicos vs. desportivos; fundos e superagentes; clubes detidos por empresários asiáticos que se transformam em veículos para ativos tóxicos; cláusulas de rescisão para além do razoável; prémios de assinatura para o agente amigo; contratações esdrúxulas por valores idênticos às vendas de craques incontestáveis. O futebol a tornar-se um tema que pouco diz à paixão do adepto.

Talvez o negócio Rafa seja o pináculo de toda esta realidade. Com direitos económicos divididos entre Feirense (10%), Braga (40%), Gestifute (40%) e António Araújo (10%), Rafa é a versão século XXI do capitalismo popular, que caraterizou a vaga de privatizações do início dos noventa. Todos sonham lucrar com o negócio.


Ultrapassada esta intrincada rede de proprietários, eis que, numa troca epistolar em público, descobrimos que a administração da ONSOCCER International S.A. e Jussara Correia reivindicam ainda uma parcela pela intermediação da venda. Desconheço a empresa, de nome estrangeiro, mas a minha intuição diz-me que é Jussara Correia que guarda a chave que desvenda todos os mistérios do futebol.

publicado no Record de terça-feira.