"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Dos Pecados e dos Árbitros



Os árbitros são humanos, erram e talvez até errem menos do que os avançados na cara do golo. Mas a humanidade dos árbitros não se esgota na propensão ao erro: são um grupo corporativo, que reage às críticas com mecanismos típicos de autodefesa de classe. Talvez seja por isso que os clubes perceberam que, para vencer, não serve de muito criticar as arbitragens. Esta ambição tem tido consequências: de uma forma ou outra, o que os clubes procuram é seduzir os homens do apito, por vezes empurrando-os para o pecado. Não o fazem é da mesma forma.

O Porto tem um histórico sólido de estimular a gula entre os árbitros. Bem sei que, na hierarquia pecaminosa, não se trata de um dos pecados mais graves, mas o desejo insaciável de comida e bebida encontra reminiscências na tradição de agraciar árbitros com ‘café com leite’ e ‘fruta’. Não saberemos nunca se esta era, de facto, proibida. Mas são práticas que estão distantes da virtude da temperança. Desde Dante que é sabido que quem cede à gula está condenado a perecer atolado em lama espessa. Pior mesmo, talvez seja a luxúria. Esse desejo passional pelo prazer corporal, que nem com "conselhos matrimoniais" de um Papa pode ser redimido e que sentencia a turbilhões eternos, no vale dos ventos.

O Sporting vive amarrado à inveja. Um desejo exagerado por tudo o que os outros têm. Consumido por este pecado, o clube secundariza o trabalho que deve ser feito para garantir vitórias e procura encontrar justificações para os seus insucessos, também, nos árbitros. Mas desde o início, do livro de Genesis, quando Caim matou Abel, que ficou claro que Deus não protege os que se movem a inveja. A asserção é controversa, mas o destino de Caim foi o Leste do Paraíso, um lugar de derrotas.

O Benfica não está livre de pecados. Bem pelo contrário, incorre na soberba, uma propensão para se julgar superior aos outros. Os elogios aos árbitros, promovendo o orgulho da classe, podem ser vistos como uma forma inteligente, mas, também, por vezes, ostensiva de arrogância. Escolhe-se aqueles que devem ser elogiados e espera-se que a vaidade humana faça o resto. São caminhos que se podem revelar sinuosos.


Como benfiquista confesso, arrisco um conselho: apenas a humildade é capaz de contrariar a soberba. Para continuarmos nesta senda vitoriosa, devemos abandonar a ostentação (as vitórias passadas), agir com simplicidade e cultivar as virtudes. Temos de resistir à propensão ao pecado arbitral no meio de nós.

Nota: o Benfica conquistou o seu 27º campeonato de basquetebol. Carlos Lisboa esteve envolvido em 17 destes títulos: como jogador, diretor e agora treinador. Neste ano de tripleta, acompanhado por um coro de críticas, é caso para dizer que o campeonato foi mesmo do Carlos Lisboa, com muito mérito.

publicado no Record de 13 de Junho

Jogadores da PQP

Se não leram ainda o texto de Dani Alves no ‘The Players' Tribune’, não deixem de o fazer – não encontrarão outra explicação tão conseguida para a popularidade do futebol e para o sucesso individual. Num relato sentido, o ex-Barça expressa a sua mágoa sobre a saída dos catalães e revela de onde vem a força que lhe permite, ainda hoje, aos 34 anos, ser dos melhores do mundo. Uma rotina repetida antes de cada jogo: olhar para o espelho e rememorar a sua vida, o lugar de onde veio e aquilo por que passou.

Num texto intenso e que abala o coração dos mais frios, o lateral-direito não esquece a infância de agruras e a vida que lhe foi dando pontapés no destino, até um dia aterrar no Camp Nou. Dani Alves não esquece e afirma, "mano, eu vim da pqp". Um lugar de merda, feito de camas de cimento, de trabalho infantil, de futuros armadilhados e condenados à miséria absoluta. Mas um lugar, também, de uma promessa inicial, que explica tudo: "Você não vai voltar para a fazenda até você deixar seu pai orgulhoso. Você pode ser o número 51 em habilidade. Mas você será o número 1 ou 2 em força de vontade. Você será um lutador".

O futebol é o mais popular dos desportos porque é o mais democrático. Todos podem falar com propriedade de futebol e todos, altos ou baixos, franzinos ou corpulentos, podem jogá-lo. O futebol é de todos, mas, quando o talento existe, o que faz a diferença é a força de vontade. Os maiores são invariavelmente os lutadores, os jogadores que vieram de baixo, da pqp, e que superaram tudo. E nem por um momento se esqueceram.

publicado no Record de 5 de Junho