"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Uma Fejsada?



O curriculum impõe respeito: com 28 anos, leva nove títulos consecutivos de campeão nacional. Tricampeão pelo Partizan de Belgrado, outra vez tricampeão pelo Olympiacos e, claro está, o tri com a camisola do glorioso ao peito. Quem tem Fejsa na equipa, arrisca-se mesmo a vencer campeonatos.

Não se pense, contudo, que o sérvio funciona como um talismã. Nada disso. Aliás, no Benfica 2016/17, Fejsa é jogador preponderante pelo que joga. Não por acaso, desde que se lesionou, a equipa passou a sofrer mais golos: em quatro jogos, os adversários marcaram por cinco vezes. Pior, diminuíram as recuperações em terreno avançado, que permitem ao Benfica as transições ofensivas rápidas que são uma das marcas da equipa.
A campanha do Benfica desta época tem sido uma espécie de manual de sobrevivência, com lesões em catadupa. Só com um plantel muito rico seria possível liderar, tendo em conta o número de jogadores que se foi acumulando nos estaleiros do Seixal. Mas, até ver, nenhum jogador se tem revelado tão difícil de substituir como o sérvio.

Sem Fejsa em campo, a equipa recua defensivamente, os espaços no meio-campo, que antes não existiam, surgem do nada, Pizzi tem mais dificuldades e os laterais perdem cobertura. Enquanto a equipa recua, o ataque ressente-se também. Não se trata, por isso, de uma Fejsada. O Fejsa é mesmo um grande jogador e só o histórico de lesões que o acompanha é que explica que ainda esteja por Portugal. A sua recuperação será determinante para o tetra do Benfica e para o seu decacampeonato consecutivo. Deve ser caso quase único na história do futebol.

publicado no Record de 24 de janeiro

A jogar contra os números

Há golos que valem mais do que outros. Estatisticamente é mesmo assim: numa análise ao campeonato inglês, em ‘The Numbers Game’, Chris Anderson e David Sally concluem que, quando uma equipa marca três golos, os adeptos podem abandonar o estádio com alguma segurança. A probabilidade de vitória é altíssima, 85%. Já a de derrota para quem está a perder por três a zero é ainda mais elevada, 95%.

Está-se mesmo a ver do que estou a falar. O Boavista marcou três golos, empatou e fugiu às probabilidades. Porquê? Lá está, porque depois disso o Benfica marcou três vezes, o que é ainda mais improvável.

Ora o problema esteve mesmo aí. A perder por três, o Benfica passou a ter as estatísticas a jogar contra si. Esqueçamos por um momento a arbitragem lastimável – sei que não é fácil – e concentremo-nos no desafio psicológico. A sofrer três golos em casa contra um adversário bem mais fraco, o principal risco do Benfica era o descontrolo emocional. Não aconteceu, até porque essa tem sido uma das virtudes da equipa com Rui Vitória.


Paradoxalmente, foi quando empatou o jogo que o Benfica deixou de ser dominador. Estranho? Nem por isso. A perder por três, Vitória inovou taticamente e o Benfica recuperou a desvantagem. Aquando do empate, era necessário regressar ao sistema tradicional e reequilibrar a equipa. Mas, a partir de então, o Benfica não mais se reencontrou: emocional, física e, acima de tudo, taticamente. Sem substituições disponíveis, com um engarrafamento de jogadores nas alas e falta de presença no meio-campo, o Benfica deixou de ameaçar o Boavista. As estatísticas adversas fizeram o resto.

publicado no Record de 17 de janeiro

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

A culpa é do Benfica

A culpa tem as costas largas e, como é sabido, as costas do Benfica são tão largas que, agora, não há responsabilidade pelo fracasso do Porto e do Sporting que não seja imputada ao Benfica. Percebe-se: quando se perde, nada como encontrar um responsável imediato pelos insucessos. Afinal, esta é a melhor forma de ocultar insuficiências próprias – do planeamento da época às contratações, passando pela forma como se prepara os jogos.

A sugestão de que o Benfica é, alegadamente, uma entidade toda poderosa que tudo determina, serve um propósito: os dirigentes iludem os adeptos, fazendo com que estes esqueçam as causas profundas para as derrotas.

Mas este jogo de culpas, enquanto produz um efeito de ocultação, tem consequências desportivas imediatas. Desresponsabiliza os jogadores e empurra-os para novos fracassos.

De cada vez que é dito que um clube perde por causa dos árbitros ou, ainda mais absurdo, por influência de outro clube que nem sequer está em campo, os jogadores sentem-se ilibados e transferem a responsabilidade pelos falhanços para outros fatores que não o jogo jogado. Mais, sempre que tal acontece, a equipa aproxima-se de uma espiral de insucesso, entrando em campo derrotada – pois, faça o que fizer, os resultados estão pré-determinados. A instabilidade emocional que Sporting e Porto têm mostrado nos últimos jogos é prova disso.

Como benfiquista, faço votos para que insistam nas justificações que têm utilizado. E confesso, também penso que a culpa é do Benfica. Aliás, é um sentimento com o qual vivo diariamente. Desde o dia em que nasci.

publicado no Record de 10 de Janeiro

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Mão na bola

Hoje é terça-feira, um dia que pode ser adequadamente descrito como aquele que se segue a uma noite na qual, num sem número de canais das televisões portuguesas, se discutiu para lá do absurdo quantas mãos na bola foram intencionais ou, pelo contrário, foram bola na mão. Lances e lances são autopsiados de todos os ângulos, sem que o processo se traduza em qualquer tipo de aproximação à verdade desportiva. Pelo contrário, a autópsia dos jogos de futebol tem tido um efeito contrário: enquanto se dissecam os jogos, acentua-se a degradação do ambiente em torno do futebol.

Esta idiossincrasia nacional tem explicações: três pessoas em volta de uma mesa a discutir futebol é um produto televisivo barato e que dá audiências fáceis. Mas o registo demencial que atingem muitos destes programas não deve ser desvalorizado. E pode bem ter consequências sérias.

Por natureza, o futebol é um espaço de paixões e de visões feridas pela clubite. É precisamente isso que o torna um último reduto romântico, protegido da racionalidade burocrática que marca o resto do quotidiano. Mas há uma diferença do tamanho do mundo em não esconder um olhar sentimental e saudavelmente parcial em torno do futebol e deixar que esta visão se transforme numa cultura de ódio, marcada por histrionismo e por tribalismo.

Uma cultura que está nas televisões é amplificada nas redes sociais e encontra respaldo em altos dirigentes que, irresponsavelmente, se comportam como líderes de claques. É preciso gostar muito de futebol para tolerar este clima, que, estou convencido, é alimentado por pessoas que nem sequer gostam do jogo jogado.

publicado no Record de 3 de Janeiro