"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

quinta-feira, 30 de junho de 2016

O efeito Messi


Há dias, Fernando Santos apelava para que se deixasse de falar de Ronaldo. A crer nas palavras do selecionador, era importante aliviar a pressão do capitão português. Errado: o sucesso de Portugal depende da pressão que for colocada sobre Ronaldo.

O principal defeito de Ronaldo é também a sua principal qualidade. O avançado do Real é um jogador egocêntrico, que se coloca acima de todas as coisas – do jogo coletivo, do espírito de equipa –, mas é também isso que o torna um vencedor nato. Nisso Ronaldo é o não português por excelência: a sua ambição é indomável, supera todas as dificuldades e é quando mais lhe é exigido que se revela. Onde os portugueses são por natureza derrotistas, Ronaldo emerge como uma improbabilidade – um vencedor impiedoso.

Reparem na disputa em torno de saber quem é o melhor do Mundo. Messi leva à partida uma vantagem difícil de superar: tecnicamente mais dotado, com uma perceção do jogo coletivo superlativa e integrado numa seleção com muito mais talento individual do que a portuguesa. Apesar de tudo isso, ano após ano, Ronaldo vai fazendo marcação cerrada ao argentino. Excedendo-se e conquistando títulos individuais.

Amanhã e nos jogos que faltam, a competição privada de Ronaldo com Messi pode voltar a fazer a diferença. Não fora Messi, Ronaldo não seria o jogador que é. Ora, depois do colapso emocional do argentino na Copa América, Ronaldo tem uma oportunidade de, no Euro, marcar a diferença, arrastando Portugal para conquistas que podem devolver-lhe a Bola de Ouro em 2016. O sucesso de Portugal depende das vitórias individuais de Ronaldo.

publicado no Record de 29 de Junho

Os despojos do Brexit

            O Brexit torna evidente uma patologia europeia aguda, cujos sintomas só não via quem não queria, ao mesmo tempo que agudiza as causas da doença.
            Durante seis décadas, a construção europeia assentou em pressupostos lineares: a paz traria prosperidade e a prosperidade reforçaria a paz e as democracias liberais. A crise interrompeu este ciclo de otimismo e fez renascer velhos fantasmas: a xenofobia, os egoísmos de base nacional, o desemprego estrutural e a anemia económica. Estas tendências enraizaram-se e traduziram-se em clivagens sociais profundas, com uma natureza nova. Onde antes existia uma “guerra de classes”, ainda assim traduzível pelo sistema partidário, instaurou-se uma “guerra” de novos contornos, marcada pela globalização, entre os de cima e os de baixo. As elites que gerem o sistema e aprofundam a integração e um grupo crescente de excluídos dos benefícios económicos, culturais e sociais deste processo.
            Enquanto estilhaçou as clivagens partidárias do Reino Unido do pós-guerra, o referendo britânico funcionou como uma prova dos nove desta tendência. Mas para onde quer que nos viremos na Europa percebemos que os fundamentos estão presentes: uma parte muito significativa da população europeia não acredita na União Europeia e o sistema partidário do pós-guerra não sabe o que fazer com essa descrença. Umas vezes ignora os sinais e é dizimado; noutras, cavalga a onda, cede ao populismo e viola o seu código genético demoliberal.
            A consequência imediata do Brexit é, precisamente, abrir a possibilidade de fragmentação política da Europa. Passou a ser possível realizar referendos e um Estado-membro pode negociar a saída. Se, agora, para vacinar a Europa, a UE impuser condições draconianas ao Reino Unido, as consequências económicas e financeiras serão devastadoras; se a UE permitir uma saída suave, as consequências políticas serão trágicas – outros países perderão o receio.
            Com a crise económica por resolver, com uma crise financeira prestes a regressar – até com maior intensidade – e com a crise dos refugiados, a Europa só tinha uma saída política: aprofundar a integração e desenhar uma “união mais perfeita”. Mas como a UE é formada por 28 democracias, onde a soberania popular impera, este caminho é, hoje, inviável. A combinação de desemprego estrutural, projeto europeu construído nas costas dos europeus e eleitorados envenenados por retórica populista não permite qualquer veleidade para-federalista.

            Dificilmente será possível continuar a falar de uma Europa unida. O Reino Unido terá agora de gerir uma saída de contornos financeiros difíceis de antecipar e que pode fragmentar politicamente as ilhas, mas as consequências para uma Europa amarrada de forma ligeira a uma moeda única podem ser igualmente profundas. Se tudo continuar como nos últimos anos, chegará o momento em que teremos a Alemanha a repetir: “nós não somos a França”.

publicado no Expresso de 25 de Junho

O paradoxo da seleção

            Falta de eficácia e algumas exibições individuais pouco conseguidas. Têm sido estas as explicações para o percurso da seleção no Euro. Um conjunto de justificações conjunturais que servem para ocultar causas estruturais.
            Talvez valha a pena recordar que Portugal integra um grupo que, numa fase final de um Euro, nem por encomenda. Islândia, Áustria e Hungria são seleções sofríveis. Acima de tudo, não é possível anunciar que Portugal é candidato à vitória e justificar empates contra estas equipas com azar e falta de eficácia. O problema começou mesmo nas expectativas: nem a seleção nacional é tão má como tem parecido, nem é tão boa como se quis fazer crer.
            A meio caminho entre o que se tem visto e as expectativas criadas, está uma equipa com qualidade, mas que tem debilidades e não são de hoje. Com um jogador extraordinário e sem ajudantes à altura, a seleção portuguesa vive com desequilíbrios e parece jogar melhor contra equipas mais fortes.
            Ronaldo é a mais valia e, paradoxalmente, um problema para a seleção. Sendo um portento na finalização, está longe de ser um jogador de topo na percepção coletiva do futebol e na capacidade de envolver os colegas no seu jogo. Por isso mesmo, rende mais quando não é referência atacante e tem ao seu lado um “poste” que o liberte. Ronaldo joga sozinho e quando tem uma equipa que o ajuda, é fantástico. Quando não é assim, sobra um jogador egocêntrico e preso na sua ambição – o marcador caricato de livres é o paradigma disto mesmo.

            Hoje, como já aconteceu, Ronaldo pode ganhar o jogo sozinho. A questão é que dificilmente se vence um Euro com este modelo de jogo.

publicado no Record de 22 de Junho

A Europa vista do Euro

O futebol pode bem ser a continuação da política por outros meios, pelo que a história do Euro se confunde com a da Europa: em 1960, ano da primeira Taça das Nações Europeias, apenas quatro seleções participaram na fase final. Dos três primeiros classificados, nenhum país existe e da sua fragmentação nasceram dezenas de novas nações. A União Soviética venceu a Jugoslávia na final, enquanto a Checoslováquia derrotava a França no jogo para o 3º lugar. Três repúblicas socialistas e uma potência colonial – que, entretanto, também, perdeu o seu império.

Nas décadas seguintes, a integração europeia progrediu, o Bloco de Leste colapsou e a democracia chegou ao sul. O futebol europeu beneficiou da revolução cultural dos 60. Num torneio já com uma fase final alargada, a Laranja Mecânica liderada por Cruyff, ainda que nunca cumprindo as expetativas, mudava a face do futebol europeu, questionando as regras estabelecidas. Depois, perante a desagregação política a Leste e o alargamento da U.E. às jovens democracias, o multiculturalismo tomava conta das seleções, que juntavam filhos de emigrantes de todas as proveniências. A Europa respirava otimismo histórico e o futebol espelhava o ar dos tempos.


Hoje, o Euro é de novo retrato da Europa. Uma competição alargada para além do razoável (24 seleções!), num continente fragmentado, dividido por novas clivagens e movido a ressentimento. Regressaram em força os confrontos entre adeptos, as tensões nacionalistas e até a Alemanha – que no fim tenderá a vencer – se revela, em campo, uma potência hegemónica relutante.

publicado no Record de 13 de Junho

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Coming Home

quem é que disse que não havia justiça poética no desporto? a vitória de ontem dos Cavs (ou do LeBron, não sei bem) está aí para provar o contrário.
é bom reler a carta escrita há dois anos, quando LeBron deixou os Heat para regressar a Cleveland. o desporto, ao mesmo tempo, como metáfora e concretização do sonho americano.



Before anyone ever cared where I would play basketball, I was a kid from Northeast Ohio. It’s where I walked. It’s where I ran. It’s where I cried. It’s where I bled. It holds a special place in my heart. People there have seen me grow up. I sometimes feel like I’m their son. Their passion can be overwhelming. But it drives me. I want to give them hope when I can. I want to inspire them when I can. My relationship with Northeast Ohio is bigger than basketball. I didn’t realize that four years ago. I do now.
Remember when I was sitting up there at the Boys & Girls Club in 2010? I was thinking, This is really tough. I could feel it. I was leaving something I had spent a long time creating. If I had to do it all over again, I’d obviously do things differently, but I’d still have left. Miami, for me, has been almost like college for other kids. These past four years helped raise me into who I am. I became a better player and a better man. I learned from a franchise that had been where I wanted to go. I will always think of Miami as my second home. Without the experiences I had there, I wouldn’t be able to do what I’m doing today.
I went to Miami because of D-Wade and CB. We made sacrifices to keep UD. I loved becoming a big bro to Rio. I believed we could do something magical if we came together. And that’s exactly what we did! The hardest thing to leave is what I built with those guys. I’ve talked to some of them and will talk to others. Nothing will ever change what we accomplished. We are brothers for life.  I also want to thank Micky Arison and Pat Riley for giving me an amazing four years.
I’m doing this essay because I want an opportunity to explain myself uninterrupted. I don’t want anyone thinking: He and Erik Spoelstra didn’t get along. He and Riles didn’t get along. … The Heat couldn’t put the right team together. That’s absolutely not true.

I’m not having a press conference or a party. After this, it’s time to get to work.
When I left Cleveland, I was on a mission. I was seeking championships, and we won two. But Miami already knew that feeling. Our city hasn’t had that feeling in a long, long, long time. My goal is still to win as many titles as possible, no question. But what’s most important for me is bringing one trophy back to Northeast Ohio.
I always believed that I’d return to Cleveland and finish my career there. I just didn’t know when. After the season, free agency wasn’t even a thought. But I have two boys and my wife, Savannah, is pregnant with a girl. I started thinking about what it would be like to raise my family in my hometown. I looked at other teams, but I wasn’t going to leave Miami for anywhere except Cleveland. The more time passed, the more it felt right. This is what makes me happy.
To make the move I needed the support of my wife and my mom, who can be very tough. The letter from Dan Gilbert, the booing of the Cleveland fans, the jerseys being burned -- seeing all that was hard for them. My emotions were more mixed. It was easy to say, “OK, I don’t want to deal with these people ever again.” But then you think about the other side. What if I were a kid who looked up to an athlete, and that athlete made me want to do better in my own life, and then he left? How would I react? I’ve met with Dan, face-to-face, man-to-man. We’ve talked it out. Everybody makes mistakes. I’ve made mistakes as well. Who am I to hold a grudge?
I’m not promising a championship. I know how hard that is to deliver. We’re not ready right now. No way. Of course, I want to win next year, but I’m realistic. It will be a long process, much longer than it was in 2010. My patience will get tested. I know that. I’m going into a situation with a young team and a new coach. I will be the old head. But I get a thrill out of bringing a group together and helping them reach a place they didn’t know they could go. I see myself as a mentor now and I’m excited to lead some of these talented young guys. I think I can help Kyrie Irving become one of the best point guards in our league. I think I can help elevate Tristan Thompson and Dion Waiters. And I can’t wait to reunite with Anderson Varejao, one of my favorite teammates.
But this is not about the roster or the organization. I feel my calling here goes above basketball. I have a responsibility to lead, in more ways than one, and I take that very seriously. My presence can make a difference in Miami, but I think it can mean more where I’m from. I want kids in Northeast Ohio, like the hundreds of Akron third-graders I sponsor through my foundation, to realize that there’s no better place to grow up. Maybe some of them will come home after college and start a family or open a business. That would make me smile. Our community, which has struggled so much, needs all the talent it can get.
In Northeast Ohio, nothing is given. Everything is earned. You work for what you have.
I’m ready to accept the challenge. I’m coming home.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Um 8 para o 36


Se o Benfica quiser garantir o 36 na próxima época, a prioridade passa por não repetir erros da temporada passada. Parece paradoxal, tendo em conta que o Glorioso acabou por ser campeão, contra as expectativas iniciais. Mas, a frio, talvez valha a pena reconhecer que, de facto, o Benfica venceu, apesar de um planeamento atribulado.

É, hoje, claro que a digressão norte-americana, se colocou o Benfica na rota de muitos colossos do futebol mundial, foi uma má experiência e impediu a sedimentação de novos processos. O problema, aliás, não foi apenas do Benfica – as equipas que andaram embarcadas em viagens comerciais à volta do mundo deram-se mal no início da época.

O principal erro foi mesmo a formação do plantel. Depois de uma segunda metade de 14/15 em que era evidente a necessidade de encontrar um substituto de Enzo para a posição 8, o Benfica entreteve-se com um sem número de contratações, não cuidando de encontrar atempadamente um titular para o centro do terreno. Ora, com Jonas em campo, não há volta a dar: como o brasileiro não pode jogar sozinho na frente, o Benfica tem de jogar com um meio-campo de dois jogadores. Com Samaris e Fejsa, a posição 6 está assegurada, mas o futebol do Benfica depende de um 8 com características muito particulares.

Esta temporada, a emergência do extraordinário Renato acabou por resolver a lacuna no plantel e ofereceu-nos o título. Com a saída do Bulo, o Benfica voltou à estaca zero. Encontrar um 8 de classe, titular de caras, não pode deixar de ser feito, nem – como em anos anteriores – adiado para o encerramento do mercado.

publicado no Record de terça-feira

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Espinha Dorsal

            Na semana passada, escrevi que, perante propostas como as que têm sido aventadas, o Benfica não deveria tentar segurar jogadores a todo o custo. Seria um erro. O futebol português não tem condições para cobrir ofertas em redor dos 30 milhões e mesmo que estas fossem recusadas, haveria que compensar salarialmente os atletas, pervertendo a coerência que deve existir na folha salarial de um clube.
            A questão que se coloca hoje a um clube como o Benfica não é tanto segurar os seus ativos, mas saber geri-los de forma a poder continuar a formar equipas vitoriosas.     
        A diferença do Benfica de hoje face a um passado mitificado não é a entrada e saída de jogadores em catadupa, com pouco amor à camisola. É que, ao contrário do que acontecia, os jogadores do Benfica passaram a ter mercado, quando há uma década ninguém lhes pegava. Esta mudança tem, aliás, um efeito muito positivo: o Benfica passou a ser atrativo para jovens talentos, de outras paragens, que sabem que aqui se podem valorizar.          
            Agora, como sempre acontece, a chave para o sucesso está no equilíbrio. O Benfica precisa de encontrar jovens talentos (um substituto para Gaitán, da mesma forma que Gaitán substituiu o, então, insubstituível Di Maria), mas tem também de preservar a espinha dorsal da equipa, de modo a que quem chega encontre elementos de continuidade. Daí que a manutenção no eixo central de Júlio César, Jardel, Fejsa e Jonas deva ser prioridade. Com eles em campo e no balneário, o 36 tornar-se-á mais fácil, mesmo que saiam muitos jogadores e entrem outros tantos.



publicado no Record de terça-feira