"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Bolas de Papel

Se tiver de escolher a maior injustiça do Benfica dos últimos anos, não hesito: Aimar não teve uma despedida condigna. Pode soar estranho. Afinal o argentino aproximava-se do fim da carreira e saiu a bem do clube. Mais, se olharmos para as estatísticas, o mago argentino acabou por não ter uma passagem muito frutuosa: cinco temporadas atormentadas por lesões, 178 jogos e uns parcos 17 golos.

Escrito assim, o pecúlio parece magro. Mas o futebol não é lugar para análises custo-benefício e eu já vi o suficiente na Luz para saber que, no meio de burocratas da bola, Aimar garantia a ruptura com o futebol administrativo que, hoje, nos oferecem em excesso. Na ideia que tenho do Benfica, as vitórias são feitas de golos e avalanches atacantes, mas também de últimos passes líricos. Ora, entre organização coletiva, processos de jogo e outros exercícios técnico-táticos, Aimar esteve sempre lá para mostrar que outro mundo futebolístico continua a ser possível.

Recordei-me disto ao ver uma fotografia de promoção ao livro 'Pelota de Papel'. Um conjunto de contos, escritos por futebolistas, para recuperar a memória infantil de imaginar jogos de futebol disputados com folhas de papel amarrotadas pelo estudo. Na foto, El Payaso, autor de um dos contos, veste uma t-shirt dos New Order e empunha uma bola de papel na mão. Era a ligação que me faltava. Aimar é a memória do porquê nos enamorámos pelo futebol: com ele em campo, voltámos a ser crianças que sonham com bolas de papel. É altura de o convidarmos para a volta de honra que não teve na Luz.

publicado no Record de terça-feira

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Mea Culpa

Assim que termina um clássico, logo se inicia um jogo de identificação de culpados pelo resultado: o treinador que leu mal a partida; o central que claudicou no momento-chave; as substituições feitas a destempo. Pouco importa: quando se perde há sempre uma responsabilidade individual.

Chegados a terça-feira, as responsabilidades na derrota do Benfica já foram escalpelizadas, mas, desculpem-me o egocentrismo, houve uma que ainda não vi mencionada. A culpa foi minha. Isso mesmo, o Benfica perdeu por minha causa. A razão é simples – não estive no estádio a apoiar a equipa.

Tenho justificações.Numa daquelas excentricidades do futebol português, o jogo foi marcado em cima da hora para uma obtusa sexta-feira à noite. Com bilhetes na mão para um concerto do jovem talento do saxofone Ricardo Toscano, fui impelido a trocar o meu Red Pass pelo jazz. Os resultados são os conhecidos. Enquanto me deixava levar pelo fraseado de pendor clássico de Toscano, o Benfica perdia.

Se me responsabilizo pela derrota, não quero que vejam nisto nenhum misticismo ou superstição. A explicação é outra. Sendo o futebol uma coreografia de solos, ainda que assente no coletivo (lá está, o paralelismo com o jazz), o bom desempenho da equipa depende da audiência. O Benfica existe enquanto prolongamento dos adeptos na bancada e se um de nós falha, é como se toda a organização ruísse. Desta vez, foram a minha voz e o meu sofrimento a faltarem no estádio – o que estou convencido fez toda a diferença. Mas não se apoquentem, hoje estarei na Luz a empurrar a equipa para a frente.

publicado no Record de hoje

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A Geringonça

E não é que, contra as expectativas dos mais céticos (entre eles o autor destas linhas), a geringonça não só está a funcionar, como revela uma atitude vencedora, dá espetáculo e põe os adversários sob pressão. Quem diria que o que nasceu errático e a oferecer uma vantagem aos adversários que parecia irrecuperável é, agora, candidato à revalidação do título?

Poucos, certamente. Mas seja por força do efeito Renato – que, com uma vitalidade juvenil, joga por dois ou três e empurra a equipa para a frente; seja pela estabilização do onze titular ou porque o trabalho de Rui Vitória começou a frutificar, a verdade é que se o Benfica vencer o Porto na Luz passará a ser o principal candidato ao título.

A razão é simples: no terço final do campeonato, o que conta não é apenas a qualidade do futebol ou a disponibilidade física dos jogadores (duas dimensões em que, agora, o Benfica leva vantagem), é, também, a capacidade para gerir emocionalmente a equipa. Quanto a isso, o excesso de confiança (e a fanfarronice) do Sporting serão adversários temíveis do próprio Sporting. Já o Benfica, que começou como uma equipa frágil e desequilibrada, derrotada sucessivamente pelos de Alvalade, tem, por contraste, a seu favor as baixas expectativas com que iniciou o campeonato, a cultura de vitória dos jogadores, a estabilidade emocional da direção e a sensatez do treinador.

Pode bem dar-se o caso de, no futebol como na política, o que nasceu como uma geringonça, afinal, revelar pernas para andar e durar mais tempo e ter mais qualidade do que o inicialmente aventado.

publicado no Record de terça-feira

(Grandes) Canções de Protesto Sem Guitarras Acústicas


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Expectativas

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As expectativas jogam a favor do Benfica. Começou a época com uma gestão errática da saída do treinador carismático, a jogar um futebol titubeante e com resultados que deitavam tudo a perder. O campeonato parecia entregue a uma disputa a dois, entre Sporting e Porto.
O Benfica só podia melhorar e melhorou para além do que parecia possível. O Benfica de 2016 joga um futebol enleante e que chega à baliza com uma facilidade ímpar. De tal forma que, hoje, a história é outra: o Benfica só depende de si próprio, é candidato ao tri e tem do seu lado o facto de estar em crescendo, enquanto Sporting e Porto, de modos diferentes, parecem enfrentar bloqueios exibicionais e de resultados, muito por força de uma instabilidade que começa nas direções e se prolonga dentro do campo.
Por ter começado mal, o Benfica tem as expectativas do seu lado. Mas, também, é verdade que, agora, Rui Vitória tem para gerir um daqueles problemas que nenhum treinador desdenha: as expectativas dos jogadores que eram segundas escolhas e aproveitaram a oportunidade para agarrar a titularidade.
Se no início da temporada, a equipa jogava pouco e parecia ter um plantel com poucas soluções, na hora atual, começa a ser necessário gerir as justas expectativas de Carcela que fez bem o lugar de Gaitán, de Lisandro que fez esquecer a ausência de Luisão e até de André Almeida que substituiu Nélson Semedo. Se juntarmos a ambição de Talisca, Guedes e Jiménez, com o regresso dos titulares naturais, Vitória fica com um outro problema de gestão de expectativas. Mas igualmente positivo.


publicado no Record de terça-feira