"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

sábado, 28 de novembro de 2009

Juntos, contra

Durante muito tempo ouvimos vozes de todo o espectro político a insurgirem-se contra a ausência de protecção no desemprego de muitos portugueses. A indignação é justa, mas choca com os limites ao financiamento dos apoios sociais. Com um sistema baseado numa lógica de seguro social, a protecção depende dos descontos prévios e da massa salarial sobre a qual incidem. Subverter esta lógica pode ser muito popular, mas é, no mínimo, financeiramente irresponsável.
O problema é tanto mais sério quanto Portugal combina níveis de participação no mercado de trabalho muito elevados com uma grande precariedade do emprego – que encontra poucos paralelos na Europa. Acontece que à precariedade não estão apenas associados níveis remuneratórios mais baixos e menor segurança no emprego, mas também, frequentemente, ausência de protecção no desemprego.
A única forma viável de proteger mais os portugueses que estão no desemprego é encontrar novas formas de financiar a segurança social, alargando a base de incidência contributiva, designadamente considerando rendimentos não salariais, mas que são de facto contrapartidas do trabalho. É também isso que está em causa com o novo código contributivo. Perante isto, a direita opõe-se porque o novo código onera os empregadores e a esquerda porque legitima a precariedade. Juntos, votam contra. Mas não tardará que, juntos, venham clamar por mais protecção no desemprego. A mesma protecção que agora se recusaram a financiar.
publicado hoje no i (na edição impressa, para além duma gralha que muda o sentido - e à qual sou alheio -, o texto vem atribuído à Laurinda Alves)

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O Gulag pode ser aqui

Há umas semanas, uma deputada do PCP revelava desconhecer o Gulag. A entrevista deu que falar, mas a polémica parecia deslocada. Nada de mais errado. Esta semana, Jerónimo de Sousa mostrou que, sendo o Gulag uma sinistra recordação, o seu espírito se mantém vivo. A propósito das escutas ao primeiro-ministro - e, peço desculpa, o tema é, para o caso, completamente irrelevante -, o secretário-geral do PCP defendeu que "seria muito grave que quaisquer formalismos legais determinassem a anulação definitiva de matéria de prova" e que se devia procurar manter "essas provas para processos futuros". Não vá alguém, algum dia, tergiversar, nada como ter na gaveta alguma coisa que possa servir para incriminar. Já os "formalismos legais" são apenas o que nos protege dos julgamentos populares, uma espécie de antecâmara do Gulag. Mas ainda a procissão ia no adro e Aguiar-Branco - paradoxalmente o melhor ministro da Justiça dos últimos anos, prejudicado pelo contexto em que exerceu o cargo - afirmava que "ninguém é obrigado a aceitar um cargo político" mas que, ao assumi-lo, "aceita o escrutínio das suas conversas". Ou seja, com a responsabilidade política vem também uma compressão intolerável dos direitos individuais.
Das últimas semanas guardo uma esperança: que tudo o que se tem dito seja apenas resultado temporário de uma profunda discordância de Sócrates - politicamente legítima e justificável - que está a obnubilar os espíritos, mesmo os mais livres.
publicado hoje no i.

O assador

Os artigos de Daniel Amaral são quase um óasis. O desta semana não é excepção.
"De crescimento económico sabemos que o biénio 2010-11 vai ser muito mau e o 2012-13 é uma incógnita. O melhor é não contarmos com isso. E a optimização da cobrança já deverá estar esgotada. Resta-nos o aumento de impostos: sim ou não? O cenário não é de excluir, mas penso que deverá ser o último a considerar. Os impostos já são de tal modo elevados que um eventual aumento seria um suicídio político.
A alternativa está no corte nas despesas. Recuperemos então a estrutura que deixámos lá atrás. Cortamos nos juros da dívida? É impossível. Aliás, estes juros ainda vão aumentar. Cortamos no investimento? Por Deus, não! Seria desistir de viver. Restam-nos três grupos de despesas: os salários, as pensões e as acções sociais. Querem fazer o favor de escolher? Eu recuso-me. Não consigo imaginar o choque que uma tal violência irá provocar no país."

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Anteontem: Verão no Alentejo

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

"Quem é ateu e viu milagres como eu"


foto tirada daqui, onde, aliás, há explicação.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Muito barulho para nada

Cinco anos passados, muita contestação depois e muito desgaste para as várias partes, os indícios de que a avaliação de professores regressará ao ponto onde se encontrava em 2005 são manifestos.
Se assim for, a conclusão só pode ser uma: muito barulho para nada.
do meu artigo de hoje no Diário Económico.

domingo, 22 de novembro de 2009

Assim se vê a força do PC

Aqui, Daniel Proença de Carvalho notava que "todos nós conhecemos os actores políticos, os seus percursos, as ideias que professam, os seus comportamentos políticos; e, muito importante, exercem o poder com base no voto popular, que é a regra da democracia. Que sabemos nós dos detentores do poder judiciário? Por onde andaram, que ideias políticas professam? E a pergunta fatal: qual a raiz do seu poder soberano? Com que legitimidade o exercem? Esta é a questão crucial com que, mais dia, menos dia, teremos de confrontar-nos."
Jerónimo de Sousa, como sempre acontece com o PC quando os temas são estes, nesta admirável declaração, dá um um contributo para a resposta: "seria muito grave que quaisquer formalismos legais determinassem a anulação definitiva de matéria de prova indispensável à descoberta de eventuais crimes".

sábado, 21 de novembro de 2009

A herança de Harper Lee


Já houve os Boo Radleys, mas há também a "Scout" Nibblet, como para mostrar que há felizmente por aí muitos herdeiros do To Kill a Mockingbird.

Ausência de caminho?

Desemprego acima dos 500 mil, dívida incontrolável e o défice voltou a ser excessivo. No horizonte, crescimentos medíocres do produto e, pelo menos até 2012, não há sinais de que o emprego recupere. Como se não bastasse, assim que se vislumbrar uma tímida retoma, regressará a pressão para a consolidação orçamental.

Não são bons tempos para se estar vivo - economicamente falando, claro. Mas uma coisa os últimos meses também nos disseram: o cenário poderia ter sido bem pior. As previsões feitas para a economia portuguesa têm sido sistematicamente revistas em alta. Sendo verdade que as estratégias anticíclicas revelaram alguma eficiência, foram também insuficientes. Moral da história: sem o pacote de estímulos, a recessão teria sido bem mais profunda e o desemprego ainda pior.

Foi quebrado o ciclo vicioso que nos ameaçava, mas os riscos estão longe de terem sido eliminados. Que fazer agora? Estamos perante um dilema dramático: não temos recursos para manter a economia alimentada pelo consumo público, mas não há condições para não o fazer.

Há três caminhos possíveis, todos muito exíguos: diminuir a despesa (sendo que a que resta é tremendamente rígida); aumentar impostos (não se vê quais) e estimular a economia, continuando a aumentar a despesa. Provavelmente, é preciso fazer de tudo um pouco. Mas também é necessário que nos libertemos dos que, enquanto se entretêm a repetir que o cenário é negro, não conseguem vislumbrar nenhum caminho.

publicado no i.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Exemplos



Em 1770, em Boston, os soldados britânicos dispararam sobre vários populares que se manifestavam contra a possibilidade de o parlamento britânico regular de facto as trocas comerciais e taxar as colónias da América do Norte. No que ficaria conhecido como "Massacre de Boston", morreram cinco civis. O episódio tem uma grande carga simbólica e costuma ser visto como tendo espoletado o processo que levou à declaração de independência dos EUA.

Há, contudo, outro lado da mesma história. Num clima de grande indignação popular, os soldados britânicos são levados a julgamento. Têm, contudo, dificuldade em encontrar quem os defenda. Acabam por conseguir que John Adams aceite ser seu advogado. Adams, que tinha assistido ao massacre, era um empenhado militante independentista, e viria a ser vice-presidente de George Washington, a quem sucederia como presidente.

Ao contrário de todos os outros advogados, que recusaram a defesa com medo que isso os descredibilizasse perante os seus compatriotas independentistas, Adams aceitou. Ao fazê-lo, pôs à frente do seu interesse político um princípio inegociável: o direito a uma justiça justa e isenta.

Este episódio é relatado numa notável série da HBO sobre John Adams, magnificamente interpretado por Paul Giamatti. É uma história exemplar e bem actual.

publicado no i.

Ladies and gentlemen, Mr. Leonard Cohen



durante uma semana, podem ver graciosamente este filme.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A propósito de claustrofobia democrática

Vale bem a pena ler o texto do Pedro Múrias, para se perceber que mais preocupante que a pressão que vem de fora para as redacções, são as condições em que se trabalha em muitas redacções.

Os primos de west-side park voltaram

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Beach House


Entre a praia e casa e entre casa e a praia, não paro de ouvir o novo dos Beach House. Violem umas quantas leis, façam download do disco e depois comprem quando sair em Janeiro. Eles bem merecem, e vocês também.

Espero que tenha sido tão bom para vocês como foi para mim

A pedido de duas famílias, aqui fica a lista de 20 canções que escolhi para a TSF. Critérios? Essencialmente dois: temas de que gosto há muitos anos e que continuo a gostar muito ainda hoje (ainda que por vezes por motivos diferentes) e outros de que suspeito vou continuar a gostar muito daqui a uns quantos anos. Peço especiais desculpas ao Chico Buarque, ao Caetano e ao Ian Curtis e aos outros três rapazes. Mas, infelizmente, não havia espaço para todos. Fica para a próxima. Para ouvir, clickar aqui.

The Beatles - I'm Only Sleeping 3:00 Revolver
Belle & Sebastian - We Rule The School 3:27 Tigermilk
Bill Callahan - Jim Cain 4:39 Sometimes I Wish We Were An Eagle
Bob Dylan - I Want You 3:07 Blonde on Blonde
Bon Iver - For Emma 3:41 For Emma, Forever Ago
Cowboy Junkies - Powderfinger 5:47 The Caution Horses
David Byrne - A Soft Seduction 3:01 Feelings
The Durutti Column - Tomorrow 4:04 Circuses and Bread
The Go-Betweens - Cattle And Cane 4:03 Before Hollywood
Jacques Brel - Le Plat Pays 2:45 Brel
João Gilberto - Este Seu Olhar 2:18 João Gilberto
John Cale - (I Keep A) Close Watch 2:32 Fragments Of A Rainy Season
Johnny Cash - If You Could Read My Mind 4:30 American V: A Hundred Highways
Lambchop - The Daily Growl 6:37 Is A Woman
Leonard Cohen - Stranger Song 5:06 The Songs Of Leonard Cohen
The Mountain Goats - No Children 2:46 Tallahassee
The National - Daughters Of The Soho Riots 3:59 Alligator
Paolo Conte - Genova Per Noi 2:54 Paolo Conte
The Smiths - There Is A Light That Never Goes Out 4:05 The Sound Of The Smiths
Wilco - Jesus, Etc. 4:00 Kicking Television: Live In Chicago

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Dia de surf


(imagem roubada daqui. vale bem uma visita.)

Cepticismo, por favor

Sempre que há um caso judicial que envolve política, inicia-se um ‘ping-pong’ de acusações entre políticos que se indignam com a ligeireza com que a justiça trata os direitos e as garantias e operadores judiciais que se sentem constrangidos na sua autonomia.
No entanto, há uma classe que tende a passar entre os pingos da chuva e cujas responsabilidades na percepção da falência da justiça em Portugal estão bem longe de ser irrelevantes: os jornalistas.
do meu artigo de hoje no Diário Económico

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Meios & Publicidade

A quem possa interessar,
Desde Setembro que, com o Pedro Marques Lopes, faço um programa semanal de debate político na TSF moderado pelo Paulo Tavares. Chama-se Bloco Central, vai para o ar aos Domingos entre o meio-dia e a uma da tarde, e pode ser (re)ouvido aqui. Passei também a ser "residente" no programa Roda Livre da TVI-24, onde debato com o Rui Ramos e o Manuel Villaverde Cabral, com moderação do Henrique Garcia. O programa vai para o ar às quintas-feiras entre as 22 e as 23 horas e pode ser (re)visto aqui.

Regra do Jogo

Há várias semanas que ando para saudar a chegada da Regra do Jogo. Escrevem por lá muitas pessoas que gosto genuinamente de ler e com as quais aprendo sempre. Faço-o hoje porque aproveito para chamar a atenção para este texto do Porfírio, que como sempre nos obriga a pensar.

sábado, 14 de novembro de 2009

Sabemos como começa

Primeiro aceitamos que a investigação criminal vá assentando cada vez mais em escutas, e aparentemente quase só em escutas; depois toleramos que o seu conteúdo seja plantado na comunicação social; por fim discutimos o teor do que não deveria existir, sem que questionemos o modo com estamos colectivamente a deixar que se minem os alicerces do Estado de direito. Como se não bastasse, admitimos com normalidade que um titular de um órgão de soberania seja, em última análise, alvo de espionagem política durante uns meses. Para culminar, parece ter chegado o dia em que os deputados se juntarão para aprovar uma lei que obrigará de facto o suspeito de um crime a provar a sua inocência, em lugar de obrigar a acusação a provar a sua culpa. Pelo caminho deitámos fora princípios sacrossantos para uma vida em comum numa sociedade decente: o direito à privacidade e a importância das garantias consagradas no processo penal, designadamente a presunção de inocência. Agora toca a quem ocupa transitoriamente o cargo de primeiro-ministro, mas, se não somos intransigentes neste caso, haverá um dia em que poderá passar-se connosco. E nesse dia não teremos a lei do nosso lado, e já não haverá Estado de direito para nos defender.

A tudo isto se chama recuo civilizacional. Sabemos, na verdade, como começa, mas temo que saibamos também como vai acabar. Até certa fase podemos ir resistindo, com mais ou menos energia, mas chegará um momento em que teremos de viver recatadamente com a derrota.

publicado hoje no i.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A minha playlist

Durante dois anos e meio, concretizei um sonho de sempre: tive duas horas semanais na rádio para, com o Nuno Costa Santos, passar música sem constrangimentos. Não sei se a oportunidade se repetirá, mas, agora que deixei o Rádio Clube para passar a colaborar com a TSF, pediram-me que fizesse a minha playlist. O desafio de escolher apenas 20 músicas não é fácil. No dia em que gravei, a escolha foi esta.

Os cínicos e os cépticos

Imagino que o Paulo Pena não se importe que eu publique aqui o texto que o Pedro Sales já publicou no Arrastão. É bom saber que há quem pense o que o Paulo pensa, mas ainda mais importante é saber que há quem, sendo jornalista, tenha hoje a coragem de o escrever. Aqui fica.

Só para citar de memória, e deixando de fora os amendoins: Houve o caso Paulo Portas/Moderna; o caso Paulo Pedroso/Casa Pia; o caso Portucale; o caso Freeport; e, agora, as «certidões» da sucata. Tudo grandes investigações que envolviam políticos e não passaram no teste do algodão. Mal ou bem, estas grandes incursões da justiça no mundo da política foram, ou virão a ser, fiascos. Mas deixam um subtexto que substitui a verificação da veracidade ou falsidade das alegações: os políticos não se deixam apanhar, ou fazem leis para se «safar», ou condicionam os intrépidos magistrados.
O que são, nos media, estes casos? Investigações jornalísticas? Ou, em 90% dos casos, uma nova categoria de «reportagem sobre investigações», como lhes chamam Bill Kovach e Tom Rosenstiel, no imprescindível livro Os Elementos do Jornalismo (Porto Editora)?

Veja-se a descrição americana, e compare-se com a realidade portuguesa:

«Neste caso, a reportagem desenvolve-se a partir da descoberta ou fuga de informação de uma investigação oficial (…) O risco deste tipo de reportagem (…) é que o seu valor depende muito do rigor e do cepticismo do repórter envolvido. O repórter proporciona ao entrevistado um precioso espaço para a difusão de uma alegação ou insinuações, sem qualquer responsabilização pública. Isto não significa que a reportagem sobre investigações esteja, por inerência, errada. Mas está repleta de riscos, geralmente negligenciados. Nesta situação, os repórteres apenas costumam conhecer parte da investigação, em vez de serem responsáveis pela mesma. A hipótese de serem manipulados pelas fontes é elevada. Em vez de vigiar as instituições do poder, a imprensa fica vulnerável e torna-se num instrumento à mercê das mesmas.»

Estes são os riscos. E basta ir à hemeroteca para constatar que andamos, todos, a ser muito pouco cépticos com um género particular de investigações: as investigações judiciais. Em Portugal há, e houve em momentos críticos, como os anos da Casa Pia, jornalistas a partilhar blogues com magistrados (convenientemente anónimos). Houve um PGR que nunca foi investigado por ter mandado a sua assessoria de imprensa divulgar notícias falsas. Houve um director-nacional da Judiciária que mentiu a um jornal, acusando Ferro Rodrigues, na altura líder do PS, de um crime horrendo que era falso, e continua, ainda hoje, a aplicar «justiça» num tribunal superior.

Andamos mesmo a ser pouco cépticos. Tão pouco cépticos que já é altura de pararmos para pensar se não andaremos a ser coniventes e acéfalos.
Para mim, a separação de poderes dá a resposta ao dilema: os jornalistas devem investigar, e não fazer de caixa de ressonância; os investigadores judiciais devem ser avaliados pelos resultados das suas investigações e não pela comoção pública que geram as suas quase-descobertas; e os políticos devem ser julgados pelas suas acções e não pela sensação de verosimilhança que gostamos de associar entre uma discordância política e uma falha ética. Há políticos honestos de quem discordamos e políticos corruptos com quem concordamos.

Foi Kapuscinski que disse que «os cínicos não servem para este ofício». E tem cada vez mais razão. A diferença entre cínicos e cépticos devia ser ensinada nas faculdades de jornalismo.

Paulo Pena, jornalista.

O dia em que o Correio da Manhã venceu

Estava escrito. Um dia o modo como o "Correio da Manhã" olha para a sociedade tornar-se-ia dominante. Temo que esse dia tenha chegado. O contexto estava maduro: a sensação de que a corrupção está a aumentar combinada com um sentimento de impunidade. Mas, ainda assim, as instituições pareciam imunes aos julgamentos na praça pública alimentados por violações grosseiras ao segredo de justiça; do mesmo modo que partidos políticos não hesitavam na defesa das regras básicas de uma sociedade decente - o primado da lei, a importância dos procedimentos formais para nos proteger a todos e a presunção da inocência.

Infelizmente, chegou o dia em que o consenso que nos permitia resistir à fúria justicialista foi posto em causa. Manuela Ferreira Leite, no Parlamento, não resistiu a afirmar que "as dúvidas políticas não se resolvem adiando investigações e destruindo provas", para logo depois dizer que o primeiro- -ministro devia esclarecimentos ao país sobre este caso. Eu não sei, nem quero saber, que "provas" são essas de que Ferreira Leite fala. Desde logo porque, num país civilizado, as escutas deveriam ser o último recurso para a investigação, em situação alguma deveriam ser passadas aos media e todos devíamos ter a consciência de que a maior exigência nas escutas aos órgãos de soberania visa proteger não quem ocupa transitoriamente os cargos mas, sim, a segurança do Estado, da governação e, custa-me dizê-lo, hoje em dia, também a autonomia da política face à justiça.

publicado no i.

Homens em tempos sombrios

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A latrina

Na verdade, para sairmos da latrina onde estamos presos, precisamos de investigações discretas, blindadas às fugas e capazes de produzir, de facto, prova. Mas, precisamos, essencialmente, que o processo de tomada de decisões nas políticas públicas seja transparente, baseado em critérios partilhados e densificado por um enquadramento legal estável e previsível. Infelizmente, temos todos os dias violações ao Estado de direito, mas temos também quotidianamente decisões políticas opacas e sobre as quais pouco sabemos.
do meu artigo de hoje no Diário Económico.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

o maravilhoso mundo do clipping

Há um lado invariavelmente trágico no humor involuntário. A este propósito, a entrevista que José Manuel Fernandes deu ao Correio da Manhã (por acaso parece-me bem escolhido o jornal), é a vários títulos inigualável. Mas, desde já, e agora que terá mais tempo disponível, tenho duas singelas sugestões a fazer ao agora colaborador "aqui e ali" do Público: trabalhar as suas capacidades para realizar buscas no google e pedir ao Pai Natal se lhe deixa no sapato uma assinatura de um serviço de clipping. Vai ver que é bem melhor que o arquivo do Pacheco Pereira. As coisas que por lá se descobrem.

Comemorações

quem é que estava no 7 de Novembro de 1981?
a resposta está aqui.

sábado, 7 de novembro de 2009

A sombra do passado

O debate deste final de semana revelou um governo novo com um programa novo, mas que herdou do executivo anterior velhos problemas. À cabeça o processo de avaliação dos professores. O tema está, em teoria, bem longe de ser uma prioridade nacional; acontece que se transformou de facto numa prioridade política e será um teste decisivo à capacidade de Sócrates para governar em minoria.
A equação não é fácil de resolver. De um lado estão escolas (que precisam de estabilidade) e professores já avaliados (que não querem abdicar do percurso que já fizeram); de outro, partidos políticos e sindicatos, que querem manter a chama da luta política acesa e não abrem mão da suspensão do processo. No meio está o governo, que viu diminuídas as suas condições políticas e perdeu grande parte da margem de manobra negocial que detinha (primeiro, no memorando de entendimento com os sindicatos em Abril de 2008 e depois com a revisão do estatuto da carreira, aprovada neste Verão com escasso impacto).
Os sinais sobre qual vai ser a saída para o impasse são contraditórios: a nova ministra afirmou que "tanto no sistema de avaliação como no estatuto, não há pontos que não se possam mudar", enquanto o ministro dos Assuntos Parlamentares acena com uma encruzilhada jurídica, que em última análise pode bloquear politicamente o país. Há, contudo, uma certeza: o modo como será resolvida esta equação marcará a identidade do novo governo, o que não é compaginável com indefinições e contradições.
publicado no i

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Por detrás das falas mansas

Em Novembro de 1989, os alemães de leste foram finalmente autorizados a passarem a fronteira com Berlim ocidental. Vinte anos passados, há bons motivos para comemorar o simbolismo dos primeiros passos de uma Europa unida e livre. Mas, num remoto país da Europa, há quem pense que não. Em nota enviada à Lusa, o PCP vem recordar-nos que “as 'comemorações de regime' a que assistimos são uma operação de reescrita da história e de branqueamento do capitalismo". Afinal, “o mundo está hoje mais injusto, mais desigual, mais perigoso e menos democrático" e, claro, a solução dos problemas da humanidade "não está nas contra-revoluções que há 20 anos varreram o Leste europeu", mas sim na lealdade aos ideais da "grande Revolução de Outubro".
Podemos tomar estas declarações como pitorescas, mas, na verdade, torna-se difícil. Desde logo porque, nas sociedades abertas, as liberdades civis e políticas são inegociáveis e não compagináveis com nenhum “mas”; depois, o próprio PCP já tinha encerrado este capítulo de sinistra nostalgia estalinista e é, no mínimo, trágico que se entretenha agora a reabri-lo. No fim, fica a certeza que, por detrás das falas mansas do “comunismo de sociedade recreativa”, se esconde um partido envolvido num crescendo de ortodoxia que não encontra paralelo no mundo ocidental. Afinal, o enlevo com a Coreia do Norte de Bernardino Soares ou o apagamento dos Gulags da deputada Rita Rato não são notas dissonantes ocasionais, mas, sim, o elemento central da partitura pela qual se rege hoje o PCP.
publicado hoje no i.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A vaga de fundo

Há um ano e meio, os barões do PSD uniram-se para que Ferreira Leite avançasse para a liderança. A vaga de fundo, é hoje sabido, ofereceu uma curtíssima vitória nas eleições directas à "boa moeda". Depois, a "escolhida" teve um resultado eleitoral em tudo idêntico ao da "má moeda", cinco anos antes, com Santana Lopes. Agora, os mesmíssimos barões empenharam-se em revisitar o equívoco, lançando um apelo para que, desta feita, fosse Marcelo Rebelo de Sousa o voluntário para se deixar imolar na fogueira que os barões, depois, se encarregariam de ir mantendo acesa. A repetição da história revela, antes de mais, que o partido não conseguiu aprender com os erros recentes, mas também que há um conjunto de pressupostos sobre o PSD que a realidade se tem encarregado de desmentir.

do meu artigo de hoje no Diário Económico.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Dress code: usar óculos

Uma fatia muito importante do meu tempo nos últimos anos foi dedicada a isto. Acabou de repente, depois de um par de horas fechado numa sala com homens com óculos.

Sinais de vitória


Devo muito do que sou ao António Sérgio na medida em que não me conheço sem passar o tempo a ouvir músicas, a descobrir músicas e a querer saber mais sobre músicas. Cheguei ontem a Portugal e percebi que o António Sérgio morreu, mas fiquei contente por perceber que o António Sérgio tinha sido e é muito importante para muita gente – basta dar uma vista de olhos pelos blogs. Este é o género de coisas que faz de mim um optimista. Isto e uma história que acho que terei ouvido ao John Peel numa entrevista qualquer: para ele, a sanidade da sua família media-se pelo facto de ir com a mulher e os filhos a concertos dos The Fall, mais de vinte anos passados depois do Mark E. Smith nos ter começado a assombrar a todos. Era isso que eu sentia também no António Sérgio quando o ouvia, cavernoso, na Radar: o mesmo entusiasmo inicial com a música.