"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O mal do Benfica


As derrotas do Benfica com o Sporting e, pior, as exibições lastimáveis não foram fortuitas, nem muito menos provocadas por erros de arbitragem. Têm razões estruturais, que nasceram numa época com um planeamento desastroso, e são um sintoma de um mal maior.
Há, pelo menos, três pecados originais a marcarem o Benfica 2015-16: a gestão da saída de Jorge Jesus; a formação do plantel e a indefinição do sistema de jogo.
Se o Benfica queria mudar de treinador, devia tê-lo assumido, em lugar de fingir que quis manter Jesus; se estávamos perante um ano de transição competitiva, com a aposta em jovens, devia ter sido dito, em vez de se disfarçar que Rui Vitória teria – cito as garantias dadas por Vieira na apresentação do novo treinador – “as mesmas condições que outros tiveram”; se era chegada a altura de mudar o sistema de jogo, a opção tinha de ser tomada integralmente e não deixar a equipa no limbo tático em que se encontra.
Aliás, talvez nem seja necessário complexificar muito. A diferença do Benfica deste ano para o de Jesus é o efeito combinado de menor qualidade do plantel e ausência de uma ideia de jogo enraizada. Nas épocas anteriores, o Benfica foi tendo jogadores de muita qualidade, este ano, aprofundou-se o declínio que já vinha da época passada. Acima de tudo, no passado, existia uma ideia de jogo perceptível, agora esses princípios eclipsaram-se e no seu lugar vê-se uma equipa que joga sem critério e que, custa a decidir, não sei se é pior a defender ou a atacar. 

publicado no Record de terça-feira

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O sentimento de um Ocidental



Muitos já terão visto o momento do França-Alemanha em que uma das bombas explode à porta do Stade de France. Patrice Evra, que conduz a bola no seu meio-campo defensivo, faz um ar de espanto, que se transforma numa expressão de um certo desdém, para logo depois atrasar a bola. O jogo prossegue e a França acaba por sair vitoriosa. Hoje, o resultado não importa, o que não quer dizer que o jogo não tenha sido relevante. Pelo contrário.

Tendo em conta o que se sabia estar a acontecer em Paris, pode ter sido tentador interromper a partida ou até cancelar os vários jogos previstos entre seleções para o dia seguinte. Teria sido um erro.

Se houve uma intenção clara nos atentados de sexta-feira foi impedir que desfrutemos em conjunto do prazer de ver um jogo de futebol num estádio, de assistir a um concerto de rock numa sala irrespirável ou, apenas, que nos juntemos, homens e mulheres, para beber uns copos.

É um daqueles casos em que a vida, aliás, pode aprender com o desporto. No futebol, o melhor que uma equipa pode fazer se quiser ajudar o adversário é adaptar o seu sistema de jogo. Com o terrorismo não é diferente: não há pior sinal do que ceder a quem se rege pelo culto bárbaro da morte.

Podemos, como Evra, por momentos atrasar a bola; só que, logo depois, com a mesma expressão do francês, resta-nos voltar a atacar e impor a superioridade do nosso modelo de jogo: encher estádios, beber álcool e gostar de rock’n’roll. Prazeres que o fanatismo religioso veda a alguns, mas que, nunca devemos esquecer, fazem parte do culto da alegria, um dos alicerces da nossa civilização.

publicado no Record de terça-feira

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Nicodependentes


É um erro confundir resultados com exibições e, ainda mais, ver nas vitórias o espelho de uma equipa organizada e com princípios de jogo enraizados. O Benfica venceu com facilidade um Boavista medíocre mas revelou uma ideia de jogo frágil e assente em rasgos individuais. Continua, por exemplo, a ser preocupante a incapacidade dos dois jogadores de meio-campo para transportar a bola. Já foram testadas várias duplas de centro campistas e o problema persiste.

Mas não se pense que a raiz do problema está nos dois jogadores do meio-campo. A questão parece-me mais vasta.

O que se tem visto é um Benfica crescentemente dependente da capacidade de Nico Gaitán inventar oportunidades de golo. Isto não seria um problema caso a equipa estivesse organizada para fazer sobressair Gaitán e Jonas – os dois jogadores que melhor combinam qualidade com maturidade no Benfica atual. Não parece que seja assim. Como se viu contra o Boavista, com um Jonas menos exuberante fisicamente, Gaitán brilha muito, mas em jogadas individuais capazes de desatar o jogo. Não é a equipa que arrasta Gaitán, é Gaitán que arrasta a equipa.


A Nicodependência podia não ser um problema, mas é, na medida em que é sintoma de uma equipa com poucas ideias no jogo atacante. Mais, o facto de o Benfica desta época ter menos qualidade individual exigiria que os processos coletivos fossem mais sólidos do que no passado. Num ano em que tem sido feita uma aposta sistemática e notável em jovens talentos, esta exigência é acrescida. Resolver este bloqueio continua a ser o principal desafio de Rui Vitória.














publicado no Record de terça-feira

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Elogio da derrota



"O futebol é uma chatice. É um pretexto para as pessoas estarem juntas, para os pais e os filhos não terem que enfrentar o grande silêncio." Disse-o ao ‘Público’ Sérgio Oksman, realizador de "O Futebol", que passou há dias no DocLisboa. O filme, esse, é desconcertante: conta a história de um pai e de um filho apartados vai para duas décadas que combinam reencontrar-se no Brasil, para assistir ao Mundial.

Ao longo de 70 minutos, não se vê uma única bola em movimento ou um jogador. A câmara fixa pai e filho a acompanharem jogos em cafés, do lado de fora do estádio e até num hospital. O que conta é a sugestão de que a fragilidade dos laços familiares e dos afetos paternais tem nos jogadores e no jogo formas de aproximação sentimental. O futebol para enfrentar a ausência e o grande silêncio.

Desculpem-me o regresso à derrota do Benfica às mãos do Sporting, mas estive em Alvalade nos 7-1 e sei que não devemos contornar as experiências traumáticas, temos de enfrentá-las. Neste trauma que ainda está bem vivo, a meio do jogo, o meu filho, que nos anos que leva de bancada da Luz nunca havia visto nada assim, disse-me, meio a medo, "não quero estar aqui". Expliquei-lhe que não se abandona as bancadas antes do fim.

É uma questão de princípio e uma experiência formativa. Sem a sensação singular de vivermos as derrotas e de deixarmos que elas se entranhem, não sofreríamos da mesma forma pelo nosso clube. Mais importante, com as vitórias e os abraços emocionados nos golos, está claro, quebramos o silêncio, aproximamo-nos. Já nas derrotas dolorosas, aprendemos a sofrer em conjunto. O que faz muita falta no resto da vida que fica fora dos estádios.

publicado no Record de terça-feira

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Vamos pôr o Sequeira no lugar certo

Vamos Pôr o Sequeira no lugar Certo - Pedro Adão e Silva from FF on Vimeo.

saiba como contribuir aqui.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Anatomia de uma catástrofe


Não vale a pena tratar o assunto com paninhos quentes. Contra o Sporting, o Benfica não jogou mal, foi, sim, inexistente e o desfecho corresponde ao que se passou em campo. Nestes momentos, é tentador explicar o resultado com base em erros individuais, azar ou incompetência da arbitragem.

São tudo justificações marginais. Há razões estruturais que ajudam a compreender a derrota de domingo, assim como as várias derrotas sofridas esta época pelo Benfica em jogos oficiais (5 em 12 partidas!).


A formação do plantel continua a gerar perplexidades. É verdade que, ao contrário do que aconteceu no consulado de Jesus, desta feita Vieira desinvestiu. Ainda assim, é incompreensível que uma equipa com um sistema tático assente em dois centro-campistas tenha um plantel de 30 elementos, acumule jogadores para uma posição inexistente – número 10 (Talisca, Djuricic e Taarabt) – e, ao mesmo tempo, não disponha de um 8 de qualidade. Talvez a aposta em Renato Sanches, à falta de alternativa, seja a solução para esta lacuna.

Os desequilíbrios do plantel são, contudo, reforçados por uma persistente falta de identidade da equipa, quer a defender quer a atacar. Novamente, o problema não começou neste jogo. Anulados Gaitán e Jonas, o Benfica arrasta-se em campo, perdido de ideias, e depende da capacidade de os seus melhores dois jogadores esticarem o jogo, isolados.  Com um plantel desequilibrado e uma equipa pouco personalizada, torna-se mais fácil ter azar e perder jogos. É que, ao contrário do que é repetido, o futebol não se decide nos pequenos pormenores, muitos deles fortuitos.

publicado no Record de ontem

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Um lateral-esquerdo

 
Talvez seja a posição onde a oferta de jogadores de qualidade é mais escassa. Falo de laterais-esquerdos: rareiam os jogadores que juntem competências defensivas com capacidade de oferecer profundidade ao jogo atacante e que combinem esses atributos com as características morfológicas exigidas, hoje, a um defesa (nomeadamente a altura) e, claro está, que sejam canhotos. É isso que explica que o valor de mercado dos laterais-esquerdos seja comparativamente elevado.

Não por acaso, muitos dos grandes laterais-esquerdos são jogadores adaptados: alguns nem sequer são canhotos e muitos fizeram a formação noutras posições. O Benfica tem sido particularmente afetado por esta crise crónica de laterais-esquerdos. Tirando o já distante Léo, as duas épocas com Coentrão e a passagem efémera de Siqueira, a posição de lateral-esquerdo tem sido o ponto fraco do Benfica.


Lembrei-me disto poque, contra o Vianense, causou alguma surpresa que, a certa altura, Rui Vitória tivesse recuado o extremo-esquerdo Nuno Santos para a posição de lateral-esquerdo. À primeira vista, a equipa não ganhou nada com a alteração. Talvez não seja assim.

Nuno Santos é um jogador com um talento notável, de drible simples e com uma velocidade única que lhe permite verticalizar o jogo com muita facilidade. Não engana: vai dar craque. Fez, é certo, toda a sua formação como atacante. Mas a ideia de Nuno Santos como lateral-esquerdo pode bem ter pernas (e altura) para andar. Tem muitíssimo para aprender em termos de posicionamento defensivo, mas o seu futebol de profundidade e velocidade só pode ganhar se partir de posições mais recuadas.

publicado no Record de terça-feira

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Cantemos


quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Lançar Tochas


Estive entre os milhares de benfiquistas que celebraram a vitória do Glorioso no Vicente Calderón. Sei bem que aquela alegria imensa só foi interrompida pelo ato bárbaro de meia dúzia de delinquentes que lançaram tochas em direcção aos adeptos do Atlético Madrid. Foi por isso, com satisfação que assisti à reacção imediata da direcção do Benfica, pedindo desculpas e repudiando o comportamento 'vergonhoso' de alguns adeptos.

O futebol assenta numa cultura adversativa e por vezes parece a continuação da guerra por outros meios. Mas a chave é mesmo os 'outros meios'. É possível conciliar celebração pelo clube que seguimos e aversão aos rivais, sem que isso se traduza numa violência intolerável. Há, a este propósito, um muro que precisa de ser erguido e defendido entre quem faz do futebol uma paixão animada a rivalidades e aqueles que aproveitam para transformar os estádios em espaços de delinquência.

Deixem-me recuar ainda uma semana ao lastimável programa da TVI24, em que participou o presidente do Sporting, Bruno de Carvalho. É triste que um presidente de um clube se preste a um papel daqueles. Degrada a imagem da instituição que dirige. Contudo, como não sou sportinguista, deixo essa questão para os adeptos do clube de Alvalade.

Mas, como benfiquista, posso assegurar-vos que a maioria dos adeptos do Glorioso não se revê no estilo truculento e de insulto permanente de Pedro Guerra. O que me leva a questionar: pode um clube repudiar a acção de adeptos que lançam tochas nos estádios e tolerar quem 'lança tochas' em permanência na comunicação social, ajudando a incendiar o clima nos estádios de futebol?

publicado no Record de terça-feira.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Storico


compromesso.

Playing those mind games forever

John Lennon faria hoje 75 anos. O tempo voa ou talvez não tanto, se pensarmos que as canções continuam por aí, por vezes melhor do que soavam quando foram escritas.
Tenho para mim que uma das perguntas ao mesmo tempo mais importantes e mais reveladoras é saber quem é o nosso Beatle preferido. Trata-se de um bom teste de personalidade (quando aplicado aos outros) e reflexivo (quando nós próprios lidamos com ela). Felizmente não tenho o assunto totalmente encerrado - a resposta tem dias e, entre os três que contam, há uma coligação maioritária formada pela dupla John/George. Apesar de tudo, no fim, o John ganha sempre.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Sobre Gaitán (e sobre Camus)


Escritor notável, Nobel da Literatura, referência ética de uma Europa a colapsar e guarda-redes de futebol no Racing de Argel. Albert Camus foi tudo isto e, certamente por isso, disse um dia que “depois de muitos anos, nos quais vi muitas coisas, o que sei de mais seguro sobre moralidade e os deveres do homem, devo-o ao desporto e aprendi-o no Racing de Argel”. A citação surge amiúde e vive de forma autónoma, contudo só recentemente apreendi o seu verdadeiro sentido.

Recorro a Eduardo Galeano, que cita ainda Camus sobre futebol, que nos revela por sua vez os ensinamentos dos anos de guarda-redes: “aprendi que a bola nunca vem ter connosco por onde esperamos que venha. Isso ajudou-me muito na vida, sobretudo nas grandes cidades, onde as pessoas não são, como se usa dizer, retas”.

Moralidades à parte, o que Camus também identificou com precisão foi a magia singular do jogo de futebol. Uma coreografia assente em regras, disciplina tática, movimentos previsíveis, mas que acaba por ruir porque, por mais que procuremos antecipar o que vai acontecer, “a bola nunca vem ter connosco por onde esperamos que venha”.

Hoje o futebol pode parecer uma exibição de organizações quase espartanas, com pouco espaço para a afirmação individual. Nada de mais errado. O futebol persiste grandioso apenas porque no meio da organização burocrática, do modelo de jogo ensaiado, há sempre uma nesga de criatividade que leva a bola por caminhos inesperados. Sem o rasgo taticamente irresponsável de um par de mágicos que vão resistindo às amarras, o futebol poderia existir, mas não teria nada para nos ensinar sobre moralidade.

publicado no Record de terça-feira.

domingo, 4 de outubro de 2015

O Jonas


Há sensivelmente um ano, após Jonas se ter estreado, marcando quatro golos nos primeiros 135 minutos com a camisola do Benfica, escrevi aqui que era um erro ver nisso um sinal de que estávamos perante um goleador, até porque o que o brasileiro ia oferecer ao futebol do Benfica não eram tanto os golos, mas acima de tudo muita qualidade na participação no jogo ofensivo. Tendo em conta a avalanche goleadora com que Jonas nos tem brindado, começa a ser difícil defender o meu argumento de há um ano. Ou talvez não.

Por muitos golos que Jonas marque, a sua principal mais-valia continua a ser aquilo que oferece ao futebol do Benfica. Individualmente, Jonas impressiona por ser uma combinação incomum de capacidade individual em espaços curtos, à imagem do que acontece no futebol de salão, com profundidade e verticalidade assim que se liberta do primeiro adversário. Tanto é assim que se torna difícil recordar uma má decisão do brasileiro ao longo de um jogo. A Jonas assenta a definição de grande jogador como alguém que joga bem e coloca os colegas a jogar melhor.

Espanta por isso que, de quando em quando, ainda surjam alusões a que Jonas pode ser um empecilho no sistema tático do Benfica. Diz-se que com Jonas é impossível jogar em 4*3*3, pois não tem caraterísticas para jogar como único avançado. Talvez a questão seja outra, a qualidade de Jonas é tal que condiciona de forma positiva todo o sistema do Benfica, na medida em que a dinâmica ofensiva da equipa tem mesmo de ser construída em torno do avançado brasileiro.

publicado no Record de terça-feira

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Duas Faces


O Benfica entrou com uma identidade vincada no Dragão, na primeira parte colocou o Porto em sentido, com posse e boa circulação de bola, agressividade defensiva e a equipa subida. Desta feita, não se viu um Benfica com o autocarro estacionado à frente da área (estratégia que deu a vitória o ano passado), nem uma equipa incapaz de controlar o jogo a meio-campo.

Nos últimos anos, não me recordo de ver um Benfica tão destemido e personalizado a jogar contra o Porto fora. E a comparação não é de somenos: este é, afinal, o onze titular menos forte das últimas temporadas e, convém não esquecer, a equipa entrou em campo com uma ala direita que o ano passado fazia o tirocínio na equipa B. Esta foi uma das faces do Benfica este fim-de-semana. Uma face bem positiva e que augura um futuro auspicioso.

Infelizmente houve outra face. A da equipa que perdeu os três jogos oficiais disputados fora da Luz (com Sporting, Arouca e Porto). Como a próxima deslocação é a Madrid, para defrontar o Atlético, o Benfica arrisca-se a fazer quatro jogos fora e a acumular quatro derrotas. Esta é a face mais negativa.

Que fazer agora? Consolidar uma ideia de jogo distinta da do passado (da qual se têm visto sinais nas últimas partidas), estabilizar o onze titular e não escorregar de novo. O Benfica pode mudar de política, apostando em jovens vindos da formação, mas tem de combinar essa aposta com a capacidade ganhadora do passado recente. Caso contrário, não há estratégia de aposta na formação que resista.


publicado no Record de terça-feira