Estava escrito. Um dia o modo como o "Correio da Manhã" olha para a sociedade tornar-se-ia dominante. Temo que esse dia tenha chegado. O contexto estava maduro: a sensação de que a corrupção está a aumentar combinada com um sentimento de impunidade. Mas, ainda assim, as instituições pareciam imunes aos julgamentos na praça pública alimentados por violações grosseiras ao segredo de justiça; do mesmo modo que partidos políticos não hesitavam na defesa das regras básicas de uma sociedade decente - o primado da lei, a importância dos procedimentos formais para nos proteger a todos e a presunção da inocência.
Infelizmente, chegou o dia em que o consenso que nos permitia resistir à fúria justicialista foi posto em causa. Manuela Ferreira Leite, no Parlamento, não resistiu a afirmar que "as dúvidas políticas não se resolvem adiando investigações e destruindo provas", para logo depois dizer que o primeiro- -ministro devia esclarecimentos ao país sobre este caso. Eu não sei, nem quero saber, que "provas" são essas de que Ferreira Leite fala. Desde logo porque, num país civilizado, as escutas deveriam ser o último recurso para a investigação, em situação alguma deveriam ser passadas aos media e todos devíamos ter a consciência de que a maior exigência nas escutas aos órgãos de soberania visa proteger não quem ocupa transitoriamente os cargos mas, sim, a segurança do Estado, da governação e, custa-me dizê-lo, hoje em dia, também a autonomia da política face à justiça.
publicado no i.