Em 1984, apenas quatro ministérios governavam a Oceânia. Um era o da verdade, onde, aliás, trabalhava o protagonista da distopia de Orwell. O jornal do regime soviético chamava-se "Pravda", verdade em russo. O partido nazi exigia no seu manifesto que fossem perseguidos aqueles que propagavam mentiras políticas. A história ensina-nos a desconfiar de quem nos promete uma política imune à mentira.
Nas sociedades abertas não há nem uma verdade, nem superioridade moral de uma "mundividência", para usar um novo modismo. Pelo contrário, há uma concorrência racional, assente em regras partilhadas, entre diferentes verdades.
Por paradoxal que possa parecer, precisamos mais de políticos que defendam a sua verdade (uma visão alternativa da realidade com soluções contrastantes) do que de políticos que se afirmem detentores da verdade (enquanto definição positivista de soluções desprovidas de juízos de valor).
Em Portugal, a semanas das eleições, quando devíamos estar focados na escolha entre programas, o que nos é sugerido é que optemos entre caracteres e atitudes. Convenhamos que se percebe o apelo imediato da política de verdade - chama a atenção para promessas não cumpridas e serve para atacar o carácter dos oponentes - mas remete para um mundo nada admirável e faz muito pouco pela credibilidade da política.
publicado no i.