As candidaturas presidenciais ganhadoras são as que, partindo de um determinado espaço político, conseguem alargá-lo. Quando Mário Soares, em entrevista ao i, diz que Alegre está com um pé dentro e outro fora do PS tem, de facto, razão, mas está também a reconhecer o potencial eleitoral da recandidatura alegrista. O problema é que o pé que Alegre tem fora do PS - e em muitos dias é esse o "pé-director" -, ao mesmo tempo que tem ajudado a tornar a sua candidatura presidencial uma quase inevitabilidade, está a amarrar Sócrates a uma estratégia que não lhe convém. Há uns dias, Alegre proclamava que não estava refém de ninguém. É verdade, até porque são hoje Sócrates e o PS que estão reféns de Alegre: as lições de 2005 impedem uma candidatura alternativa à do poeta (que só fraccionaria o PS), mas Alegre Presidente ameaça o projecto político que Sócrates tem tido para o PS. Se a cooperação estratégica entre Cavaco e Sócrates é uma miragem de um passado longínquo, entre Sócrates e Alegre é uma utopia distante. É inevitável que, dentro de um ano, José Sócrates e Manuel Alegre estejam nos braços um do outro, enquanto proclamam a partilha dos valores da esquerda democrática. Acontece que, politicamente, não há convergência estratégica possível entre os dois. E, como se não bastasse, Alegre candidato oficial do PS não terá o potencial eleitoral de Alegre candidato com o "pé fora" do PS. Nisto, as presidenciais servirão para revelar o bloqueio estratégico que existe à esquerda.
publicado hoje no i.