Há um vírus sazonal que nos faz crer que os problemas do nosso mercado de trabalho se resolvem através da flexibilização das relações laborais. De tempos a tempos o vírus volta a atacar e encontra ambiente propício ao desenvolvimento na rigidez formal da nossa legislação. Esta semana foi o PSD a fazer regressar o tema, propondo o fim do limite à renovação dos contratos a termo e diminuindo a sua duração. O problema é a realidade. Portugal tem de facto uma legislação do trabalho comparativamente rígida (ainda que já não tanto como no passado), mas a rigidez formal coexiste com a enorme flexibilidade de facto. Não por acaso, os níveis de precariedade são superiores à média europeia e, mesmo com toda a rigidez, o ritmo de crescimento do desemprego não encontra paralelo na Europa. Hoje, aliás, mais de 80% dos novos vínculos laborais são a prazo, o que não é necessariamente um problema se evoluírem para relações de trabalho sem termo. Mas uma coisa é valorizar a flexibilidade na entrada no mercado de trabalho e outra, bem diferente, é pensar que a flexibilidade deve ser a regra ao longo da carreira ou, pior, que os níveis de regulação do trabalho devem ser mínimos. Tudo isto sugere que em Portugal, como na Europa, a crise está a tornar-se um cavalo de Tróia de uma agenda desregulamentadora. E, convém não esquecer, não foi a rigidez dos mercados de trabalho que fez deflagrar esta crise. Era bom que os nossos problemas se resolvessem, de algum modo, com maior flexibilidade na contratação ou combatendo armadilhas de inactividade, mas, com o desemprego a 10% e a economia deprimida, pensar que se combate o desemprego com uma agenda flexibilizadora não passa de um fetiche.
publicado no i.