terça-feira, 25 de outubro de 2011
Um concerto em apneia
Lembro-me bem do meu primeiro contacto com o Bonnie Prince Billy. Por uma recomendação na Contraverso – ainda do tempo em que os discos eram comprados e recomendados em discotecas – comprei o primeiro dos Palace Brothers, já lá vão uns vinte anos. O disco era sujo, fragmentado, arrastado em alguns instantes, mas tinha também momentos cheios de luz, acima de todos um notável ‘king me’ (“I can't hear it play fast no more” era uma espécie de mantra para o slow-core que então conquistava espaço). Não aderi logo, longe disso. Mas foi há vinte anos e o Bonnie Prince Billy de hoje (na verdade o de ontem no Maria Matos) está suficientemente distante do de há duas décadas. O que se viu ontem foi um cantor rendido a uma placidez country, com arranjos limpos, emparelhados por harmonias vocais femininas, que só em breves fogachos regressa às canções por construir do passado. A este propósito, o percurso de Bonnie Prince Billy é uma espécie de reverso do de Tom Waits: enquanto o último se foi afastando das canções, fechando-se num ensimesmamento que tem tanto de genial como de claustrofóbico e desconfortável, Will Oldham foi encontrando progressivamente nas canções depuradas o seu espaço. Ontem, enquanto tocava várias músicas do novo Wolfroy Goes to Town (um óptimo disco e provavelmente o mais coerente entre os últimos, mas que ao vivo já é muito diferente da versão de estúdio que acabou de sair), revelava-se um cantor cada vez mais canónico, perfeitamente integrado no cancioneiro norte-americano. Mas, depois, por breves instantes, regressava uma tensão dramática e desintegradora, à qual não escapava quase nenhuma canção. Em pouco mais de duas horas, viveu-se sempre o conflito entre, por um lado, os espaços abertos pela tranquilidade das canções conservadores e, por outro, o fechamento e a negritude que espreitavam quando se descobriam as guitarras a puxar para o lado errado e a destruir as canções que se queriam revelar destiladas. Não foi sempre assim, mas houve longos períodos em que foi necessário suster a respiração para seguir a música do princípio até ao fim. “You want that picture”, “another day full of dread” e “after I made love to me” foram exercícios de apneia que vão deixar marcas em quem esteve ontem no Maria Matos. Não é muito difícil identificar um génio.