Não tinham passado 24 horas de uma exibição sofrível do Benfica contra o Rio Ave quando o insólito tomou conta das discussões sobre o jogo. Subitamente, o problema da partida passou a ser o árbitro assistente ter errado ao assinalar um fora-de-jogo correto aos vila-condenses, pois não estava em condições de assegurar que o avançado estava em posição irregular. Parece confuso, mas foi tal e qual assim. Posso ter um problema de memória, mas não me recordo de uma discussão tão absurda como esta. Entrámos no admirável mundo novo do comentarismo desportivo: pela primeira vez, estamos a discutir não os erros, mas as decisões corretas da arbitragem.
Compreendo que seja necessário preencher muito tempo de antena com dissecações detalhadas do fim de semana futebolístico, mas convém não exagerar. Uma coisa é tentar perceber como é que se pode caminhar para tornar as arbitragens menos suscetíveis ao erro humano, outra, bem diferente, é deixar o absurdo tomar conta dos debates.
E quando o debate assenta em processos de intenções e em iliteracia, acaba sempre por nos encaminhar para o absurdo.
Repare-se,
os mesmos que não perdem uma oportunidade para invocar o conhecimento
que lhes advém de terem sido futebolistas profissionais, logo descobrem o
que um árbitro assistente consegue ou não vislumbrar – naturalmente,
sem nunca terem sido árbitros assistentes. Já para não falar do
espetáculo triste que muitos deram, sugerindo que a Benfica TV tinha
manipulado a linha de fora-de-jogo, quando quem quer que tenha
frequentado o secundário com sucesso deve saber que, visualmente, duas
linhas, traçadas paralelamente, convergem num ponto de fuga – gerando o
efeito de perspetiva.
No fundo, talvez tudo se resuma, mesmo, a um problema de perspetiva.
publicado no Record ontem.