quarta-feira, 26 de novembro de 2014
O atrevimento
Costuma dizer-se, com razão, que “a ignorância é muito atrevida”. De tal forma que eu, que todo o conhecimento que tenho sobre futebol resulta da experiência de ver jogos vai para 40 anos (como disse Jorge Jesus, “o que é o conhecimento? Conhecimento é experiência”), não hesito em escrever, contra toda a prudência, semanalmente nas páginas do Record.
Talvez, ao contrário do que acontece no resto da vida, a prudência não seja uma qualidade que deva estar presente em doses excessivas quando o tema é futebol. Lembrei-me disto a propósito da exibição de Salvio este fim de semana.
O argentino é um jogador que divide opiniões: não tanto entre adeptos de bancada (o que acontecia, por exemplo, de forma chocante com Cardozo), mas entre quem tem uma abordagem científica ao futebol. No blog “Lateral Esquerdo”, um dos espaços onde mais se aprende sobre futebol, não passa uma semana sem que Salvio seja criticado. Não está em causa o seu talento, mas o modo como o seu jogo desequilibra a equipa.
Não é preciso ter muito conhecimento sobre o que é futebol para se perceber que Salvio abusa das jogadas individuais, que fá-lo muitas das vezes sem critério, buscando situações de 1x2, quando não de 1x3 ou até 1x4, o que leva a que tenha uma taxa de insucesso muito alta. No fundo, Salvio seria um jogador pouco eficiente – isto é, com uma fraca relação entre os recursos empregues e os resultados obtidos. Mais, a ineficiência de Salvio coloca a equipa em apuros, pois as suas perdas de bola obrigam os colegas a um esforço acrescido para o compensar.
É tudo verdade. No entanto, Salvio oferece coisas únicas ao jogo: é um jogador capaz de romper com a gramática rígida e previsível que por vezes existe em excesso no futebol. Precisamos de jogadores criteriosos, capazes de introduzir racionalidade no jogo. Mas o que seria o futebol sem o atrevimento serpenteante de jogadores como Salvio?
publicado no Record ontem (e teve direito a resposta convincente no excelente lateral esquerdo, um sítio onde se aprende mesmo - lá está, cheio de conhecimento acumulado)