São penosas estas semanas em que o futebol fica suspenso. Passam os dias, chega-se ao fim de semana e somos recebidos pelo vazio. Há, é verdade, umas seleções contra outras e até jogos de exibição, organizados para entreter. Futebol que nos comova, nada. E escrevo nada porque futebol é uma modalidade praticada entre clubes.
Não tomem esta opinião como a visão de um doente, contaminado pelo vírus da clubite aguda. Diria que estamos perante uma pandemia. Pese embora não conheça nenhum estudo epidemiológico, arrisco-me a afirmar – baseado numa sondagem com uma amostra representativa, composta pelos meus amigos – que quanto maior é a paixão pelo futebol, menor é o interesse pelas seleções.
Há nisto um paradoxo. Enquanto essa coisa do “amor à camisola” se tornou num anacronismo e as seleções são as únicas equipas a que os jogadores pertencem, os adeptos continuam amarrados sentimentalmente aos clubes. De tal forma que este fim de semana, e a sofrer de abstinência, fiquei convencido que nem o mais obscuro dos dérbis me seria estranho.
Há,
certamente, muitas explicações para o fenómeno. Desde logo, a forma
como se cimenta a pertença a um clube, fim de semana sim, fim de semana
sim – em que o dia em que joga a nossa equipa é o ponto de viragem do
calendário a que estamos mental e sentimentalmente obrigados. Mas a
cultura de dependência, que organiza o quotidiano, não explica tudo.
O futebol não é um desporto movido a fair play. Pelo contrário. Necessitamos dos jogos, mas precisamos de prolongar o prazer sádico da vitória pelos dias que se seguem. É por isso que o Benfica poderia existir, mas não seria a mesma coisa sem o Sporting. Ora Portugal, que existe como nação e ideia, não mobiliza por aí além os doentes da bola. Afinal, não temos nenhum arménio à mão para humilhar durante a semana, até ao próximo jogo do campeonato.
publicado hoje no Record