"Sem música, a vida seria um erro", escreveu Nietzsche. Eu acrescento que a educação sem música é um erro ainda maior. Lembrei-me disto quando vi um vídeo de um coro de uma escola pública norte-americana a cantar "Zebra", dos Beach House. O surpreendente não era nem o entusiasmo com que cantavam, nem as capacidades harmónicas. Nisso aquele coro não se distinguia dos de muitas escolas. O que surpreendia era que, em lugar das músicas infantilizadas, aqueles miúdos cantavam uma música adulta, apropriando-se dela com um olhar de criança. Vi nisso a diferença que existe entre a educação musical que tive e a que hoje é dominante. Tive a sorte de fazer a primária na ressaca do PREC, na melhor escola do mundo. As músicas que aprendi eram do Zeca, do Zé Mário Branco e do Fausto - que fez o melhor disco de MPP dos anos oitenta, precisamente sobre a "Peregrinação" do autor fantástico que dava nome à minha escola. Deixo de lado a natureza politizada da minha educação musical, o que importa é que nos ensinavam músicas adultas. Éramos tratados como crianças, mas não infantilizados. Há um tempo para tudo, mas eu temo que os meus filhos tenham uma educação musical infantilizada. Ou seja, há momentos em que sou favorável à liberdade de escolha na educação, tema que se tornou muito popular. Mas depois de ver aquele vídeo inclino-me decisivamente para a "política do gosto" e para a certeza de que a liberdade se garante na escola pública, com professores que mudam o mundo, dando a crianças de um contexto desfavorecido uma educação musical adulta, como em Staten Island, em New Jersey ou com a Orquestra Geração, no Casal da Boba, na Amadora.
publicado no i.