A sondagem hoje publicada revela uma erosão da imagem do primeiro-ministro e do Governo, combinada com uma incapacidade do maior partido da oposição para capitalizar o descontentamento, ao mesmo tempo que os partidos dos extremos continuam com votações acima das últimas legislativas. Curiosamente, este padrão coloca-nos numa situação em quase tudo idêntica à do mês de Setembro, quando os reflexos nacionais da crise internacional se faziam ainda sentir escassamente. Desse ponto de vista, a crise internacional está a ter efeitos políticos domésticos semelhantes um pouco por toda a Europa.
Se numa primeira fase, em que havia uma percepção da extensão da crise, mas as suas manifestações económicas e sociais ainda não se faziam sentir de modo intenso, os partidos que se encontravam no poder viram o seu apoio aumentar, no último par de meses, acompanhando o aumento do desemprego e o arrefecimento do produto, tem-se assistido a uma erosão da popularidade dos diversos primeiros-ministros europeus, ao mesmo tempo que se verifica uma pulverização do voto e um crescimento dos partidos à esquerda.
Assim, Portugal caminha para um contexto de dificuldades económicas e sociais sem paralelo na história recente, ao qual aparentemente se soma uma dispersão de votos que nos coloca demasiadamente longe de um cenário desejável de maioria absoluta. Se as eleições fossem hoje (e, sublinhe-se, não são), a ingovernabilidade estaria, por isso, ao virar da esquina. Que fazer perante um cenário destes?
Olhar para o passado talvez não seja má ideia. O cenário futuro pode vir a ter demasiadas semelhanças com a primeira metade da década de oitenta: desequilíbrios financeiros, arrefecimento económico e crescimento do desemprego, combinados com dificuldades políticas. Tal como então, a soma dos votos no PS e no PSD é comparativamente baixa (nesta sondagem estão nos 65%, ligeiramente abaixo da maioria qualificada e bem abaixo dos 74% das últimas legislativas.). Perante um cenário semelhante, o que aconteceu foi a formação de uma coligação de “strange bedfellows”, o bloco central. É naturalmente uma solução indesejável, pois dilui a diferenciação política e tende a reproduzir um outro bloco central, o dos interesses.
É verdade que a intenção de voto somada no PS, BE e PCP é de cerca de 60%, o que poderia levar à formação de uma frente de esquerda. Mas, entre nós, as condições de governabilidade à esquerda são praticamente inexistentes – a menos que se assistisse a uma insólita capitulação do programa político do PS perante o caderno reivindicativo maximalista do BE e do PCP – partidos que com intenções de voto em redor dos 20%, ainda assim se colocam irresponsável e ostensivamente fora da governabilidade.
Há uma frase muito repetida que nos diz que a política é a arte do possível. Se os portugueses não virem na instabilidade política a ameaça real que de facto representa e se o padrão desta sondagem se consolidar, Portugal vai estar confrontado com uma única possibilidade, aliás bem indesejável: o entendimento entre PS e PSD em acordos parlamentares com o patrocínio do Presidente da República (que, em final de mandato, verá o poder de dissolução condicionado pelos prazos constitucionais). Mas tendo em conta que nem para a escolha de um Provedor de Justiça existem hoje canais de diálogo entre os partidos, há boas razões para estarmos colectivamente muito preocupados.
comentário à sondagem da Marktest, publicado no Semanário Económico