A política portuguesa vive num estado de esquizofrenia múltipla, em choque permanente com a realidade. O debate do estado da nação apenas tornou a síndrome mais visível. A situação singular em que nos encontramos, com o único governo de maioria relativa da Europa, serve para revelar como a crise política estará sempre à espreita, como um vírus oportunista, e é o primeiro dos sintomas de esquizofrenia. Depois temos um governo que tinha um discurso eleitoral e que de facto foi obrigado a abandoná-lo para fazer exactamente o contrário do que propunha como resposta à crise (do investimento aos pacotes de estímulo à economia e ao emprego). Como se não bastasse, o governo precisou do PSD para viabilizar as medidas de austeridade e, quando houver uma moção de censura do CDS, dependerá do apoio do BE e do PCP. No mínimo confuso. Finalmente, temos um Presidente que alterna entre um discurso vago sobre a insustentabilidade da nossa situação orçamental e a necessidade de mais respostas sociais, mas que, de facto, desistiu de promover quer esforços concretos para disciplinar as contas públicas (quando retirou o apoio a Correia de Campos), quer mecanismos que permitam proteger mais os "novos pobres" (a oposição ao novo Código Contributivo). Com tantos níveis de esquizofrenia, resta uma certeza: vamos ter uma séria crise política a somar à crise económica e social. A única questão é saber quando. Por uma vez, talvez não fosse má ideia alinhar a experiência interna da política com a realidade e agir preventivamente, procurando uma solução política estável e, não menos importante, previsível.
publicado hoje no i.