"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

sábado, 31 de julho de 2010

Piloto de testes

O proselitismo liberal é a versão actual da vulgata marxista, que esteve muito em voga na passagem dos anos 60 para os 70. Como acontecia com quem então padecia da doença infantil do comunismo, também os nossos liberais tendem a moldar a realidade à sua construção teórica, ao mesmo tempo simples e com resposta para tudo. Ao fazerem-no esquecem, por um lado, a complexidade dos ajustamentos nas políticas públicas e, por outro, o país que realmente existe, feito de portugueses bem diferentes daqueles que conhecem ou projectam. O mantra "menos Estado" tornou-se, aliás, um novo "amanhã que canta", combinando as mesmas doses de optimismo e de normatividade com uma subjugação da realidade aos arquétipos de partida. Mas a realidade tem sempre razão. Talvez tenha sido o choque com a realidade que levou Passos Coelho a dizer, primeiro, que esperava que o PSD não recuasse nas suas insólitas propostas de revisão constitucional (o que, vindo do líder do partido, não deixa de ser estranho) e, já esta semana, que no fundo tudo isto não tinha passado de um teste - imagina-se para ver se o país estava preparado para o receber, devidamente acompanhado da sua doutrina. Há, contudo, um risco. Passos Coelho, que encontrou circunstâncias muito favoráveis para se afirmar politicamente, com um governo frágil e uma situação económica débil, arrisca-se ele próprio a ser apenas mais um piloto de testes, juntando-se à longa lista de líderes do PSD que nunca chegaram a primeiros-ministros.
publicado hoje no i.