Esqueçam o PEC, os estabilizadores automáticos, as privatizações e o cenário macroeconómico prudente. Há coisas bem mais importantes e que estarão por aqui, a pairar sobre nós, bem para além do horizonte temporal do regresso à consolidação. Ando para deixar isto aqui há várias semanas. Hoje pareceu-me um dia particularmente adequado para o fazer. O isto é um texto notável do José Manuel dos Santos, que saiu no Expresso há umas semanas. Se só poderem ler um texto este ano, leiam este. Fica um excerto, o resto está aqui. Eu, acompanhado por mais duas ou três pessoas, só posso agradecer ao José Manuel ter tido a coragem e a lucidez para escrever este texto. É a prova de que há ainda homens e que é nos tempos sombrios que se percebe quem é quem.
"Nestes dias sujos e vociferantes, muitas palavras se têm escutado sobre as escutas. Em quase todas elas, há aquela mistura de moralismo e ódio, alvoroço e justicialismo, mediocridade e exibicionismo que preside aos grandes desastres. Dizer que os meios ganham razão pelos fins é dar voz à barbárie. Mas há sempre juristas para a defender, tornando legítimo o ilegal e justo o intolerável. Em todos os crimes dos despotismos, do ordálio medieval aos julgamentos de Moscovo, houve juristas a fazer da sua argumentação uma justificação e mesmo uma apologia do monstruoso. Esses crimes foram sempre perpetrados em nome de um "interesse superior": da Verdade, do Bem, do Estado, da Nação, do Partido, do Povo, do Público, da Raça, de Deus. Ficaremos todos mais prevenidos e lúcidos quando um dia se fizer uma história do direito como aliado da barbárie. Kafka não era um escritor com excesso de imaginação..."