O Francisco José Viegas insurge-se aqui contra a prioridade que o PS pretende dar às classes médias no próximo programa eleitoral. Para ele, mais do que qualquer tipo de apoio, a classe média caracteriza-se por "querer que a deixem em paz – e que, por favor, não se ocupem dos seus interesses. Basta que não atrapalhem." Quando leio estas afirmações, fico sempre com a sensação de que anda tudo a falar de classes médias diferentes e que a classe média está para as prioridades políticas como o liberalismo para os princípios. Todos se declaram liberais, do mesmo modo que todos querem ajudar a classe média. O problema é quando se tem de passar dos posts à prática. Talvez a melhor forma de definir classe média acabe por ser através dos rendimentos e o problema em Portugal - como aliás mostram os dados do INE publicados ontem - já não são essencialmente (sublinhe-se o essencialmente) as formas mais severas de pobreza, que têm hoje já um conjunto de respostas, mais ou menos eficazes, mas que produzem resultados. O problema é mesmo que o salário mediano no sector privado está em redor dos 700 euros, ou seja, 50% da população portuguesa ganha até 700 euros (suspeito que o emprego no sector público faça subir ligeiramente o valor da mediana). Imagino que seja isto a classe média, a maioria dos portugueses que já não é abrangida por mecanismos de protecção social, mas que trabalha e tem salários muito baixos. Talvez valha a pena perguntar a estes portugueses se foram assolados por uma pandemia liberal e se não querem ser atrapalhados por políticas públicas que perturbem a sua paz. A paz de quem vive, note-se, com 700 euros por mês.
(a propósito do diferencial salarial entre sector privado e público, acabei de encontrar esta notícia de hoje).