"É preciso um programa para mudar o país, em ruptura." "A verdadeira razão para nos dar o seu voto: ruptura total com o sistema." As frases podiam ser de Paulo Rangel, mas não são. A primeira faz parte das conclusões do último congresso da Ruptura/FER, a ala extremista do BE, que continua a militar por uma política revolucionária; já a segunda é de Manuel Monteiro, então líder da Nova Democracia, uma cisão pela direita do CDS-PP. Na política as palavras que se escolhem contam. Paulo Rangel, ao escolher a ruptura como Leit-motiv, avançou para a liderança do PSD envolvendo-se numa retórica própria das margens políticas. É coerente com a natureza essencialmente tribunícia da sua afirmação política e representa uma continuação da estratégia Ferreira Leite, agora por outros meios: o rasgar de ontem torna-se a ruptura de hoje. O problema é que a ruptura que o PSD precisa de fazer é antes de mais consigo próprio. Nos últimos anos, mesmo em contextos muito favoráveis, os sociais-democratas ultrapassaram com dificuldade a barreira dos 30%. Durante um tempo, Santana Lopes foi a desculpa, mas a verdade é que as dificuldades de afirmação política têm razões mais fundas: a combinação irresistível entre conservadorismo social e uma política económica que combina ruptura com ausência de dimensão propositiva. A existência de várias candidaturas à liderança pode ajudar a que o PSD faça o que na verdade tem evitado fazer: discutir-se a si próprio. Mas a ruptura que Rangel agora propõe é apenas um exercício retórico para evitar discutir os falhanços recentes do partido.
publicado hoje no i.