Dificilmente haverá exemplo mais acabado da disfuncionalidade a que chegou a nossa vida política e económica do que o caso Figo. Um atleta-modelo, símbolo do país moderno, alegadamente envolvido num esquema bem doméstico, onde se cruzam compadrios políticos com negócios públicos e apoios partidários. O pior dos mundos. Para ajudar à festa, a habitual culpabilidade decretada nos media. Há boas razões para que o caso seja investigado, o que não ajuda é que partamos da culpabilidade para depois investigar. Desde logo, porque há já demasiados casos nos quais houve culpados e depois não houve nem acusação nem condenação. Mas o caso Figo tem outra face: os partidos, em acentuada trajectória de descrédito social, procuram compensar a credibilidade perdida através de uma colecção de cromos que vai sendo exibida ao lado dos líderes. As máquinas partidárias, devidamente fustigadas, interiorizaram a sua própria falência e vivem deslumbradas com o apoio de uns quantos notáveis. É pouco provável que haja ganhos eleitorais significativos com estas aparições em campanha. As razões das escolhas eleitorais são outras e, paradoxalmente, o investimento nos notáveis convive com uma negligência dos partidos nos factores que enraízam mais as escolhas. Na verdade, por cada notável que surge numa campanha, haverá sempre uma relação perversa entre políticos e amigos, que aparentam proteger-se mutuamente em negócios de contornos dúbios. É por isso tão exemplar o caso de Figo. É-nos sugerido que as duas dinâmicas, afinal, até se podem en-contrar interligadas.
publicado hoje no i.