"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

terça-feira, 4 de agosto de 2009


"somos crianças feitas para grandes férias"
Ruy Belo

Ricos e Pobres

Num país com uma taxa de pobreza que nos devia envergonhar colectivamente, há quem tenha dificuldade em definir o que é ser rico. Paradoxalmente, nem por cá, nem na Europa a que pertencemos, há dificuldade em definir o que é ser pobre.
Nas sociedades democráticas e para além da ausência de níveis mínimos de subsistência que caracterizam a privação absoluta, a pobreza é um conceito relativo. Não por acaso, existe uma consagração estatística do risco de pobreza e, na Europa, pobres são todos os que têm rendimentos inferiores em 60% à mediana. Aliás, o leitor estará certamente recordado: cada vez que o Eurostat publica os dados sobre a taxa de pobreza na Europa, assistimos em Portugal a um movimento de indignação colectiva com a persistência e com a dimensão do fenómeno. A indignação é totalmente justa, mas não deixa de ser estranho que desapareça com a mesma intensidade com que surge. Na verdade, só somos capazes de definir quem são os pobres porque somos capazes de saber quem são os que têm rendimentos médios e, naturalmente, aqueles que são ricos. Acontece que, surpresa, em Portugal - o tal país com níveis intoleráveis de pobreza - hesitamos perante a necessidade de definir quem são, relativamente, os ricos.
do meu artigo de hoje no Diário Económico.

domingo, 2 de agosto de 2009

O fim das fotocópias

Durante muito tempo, a política portuguesa viveu assolada pelo espectro da indiferenciação: as opções do PSD e do PS para as políticas públicas pouco se distinguiam. Se alguma coisa resultou clara da conferência “Transformar Portugal” foi precisamente a consolidação do fim dos partidos fotocópias. José Sócrates e Manuel Ferreira Leite – e com eles PS e PSD – distinguem-se hoje bem mais do que no passado.
Antes de mais, no estilo. Podemos não saber exactamente que tipo de político preferem hoje os portugueses, mas enquanto Sócrates revelou uma notável desenvoltura formal na sua intervenção (falou de improviso), Ferreira Leite mostrou-se presa a um discurso escrito assente num conjunto de lugares comuns, tão pueris como facilmente partilháveis por todos.
Depois, nas opções estratégicas. Se é verdade que Ferreira Leite voltou a revelar muito pouco – ou rigorosamente quase nada – do que se propõe fazer se ganhar as eleições, é ainda assim possível intuir diferenças substantivas entre os dois candidatos.
Sócrates, ao mesmo tempo que fez uma defesa do seu executivo em duas áreas chaves (a educação e as renováveis), defendeu um aprofundamento das funções do Estado nas áreas sociais, designadamente respondendo aos trabalhadores de baixos salários, quer através de uma nova prestação, quer através da densificação das respostas de serviços às famílias. Ferreira Leite, ainda que tenha centrado a sua intervenção quase exclusivamente nas questões económicas e financeiras, não deixou de sugerir que as funções sociais do Estado devem ser supletivas.
No fim, ficou também a diferença sobre o papel da política fiscal. Enquanto para Ferreira Leite os impostos não devem estar ao serviço da equidade, Sócrates parece ter dado um passo no sentido de tornar a política fiscal mais relevante para as respostas sociais.
A dois meses das eleições, as diferenças entre os dois principais partidos são claras e é possível de facto escolher alternativas. A diferenciação é uma vantagem para a própria democracia, falta agora que o PSD seja capaz de transformar em medidas tangíveis o que até agora é apenas sugerido. Uma coisa é certa, ficamos todos a ganhar com o aprofundar das clivagens e da distinção programática.

Comentário às conferências "Transformar Portugal", publicado no Semanário Económico