"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Bombear Bolas


Pode uma equipa grande, que ambiciona um tricampeonato, passar a meia-hora final de uma partida a fazer jogo direto para um amontoado de avançados? Pode, mas não deve. Ora foi isso que o Benfica fez no domingo, a jogar, de facto, em casa, contra o Arouca.

Depois de mais uma péssima entrada no jogo, o Benfica recompôs-se e apresentou o melhor futebol desta temporada. Com Pizzi mais apoiado por Samaris, a equipa cresceu, voltou a ter jogo interior consequente e regressou o caudal ofensivo. Foram 25 minutos à Benfica que pré-anunciavam a recuperação do resultado.

A vitória não estava, contudo, garantida. O futebol é imprevisível: uma equipa pode estar a jogar bem, a controlar a partida e, no fim, o resultado pode não ser satisfatório. Mas no futebol, também é sabido, compensa manter a fidelidade a uma determinada ideia de jogo. O que não compensa é suspender essa ideia e, em seu lugar, escolher o recurso dos que não têm mais recursos - o jogo direto e as bolas bombeadas para a área. 


Pois foi isso que o Benfica fez na meia-hora final, deitando fora o que estava a fazer bem até aí. A partir de certa altura, com dois postes dentro da área mais uma mão-cheia de alas e avançados, o jogo resumiu-se a cruzamentos longos, condenados ao fracasso, devidamente combinados com dezenas de remates sem critério de meia-distância. Posso estar enganado, mas não conheço na última década uma única equipa que tenha sido ganhadora a jogar assim. Contra o Arouca, pior que a derrota foi o sinal tático dado naquele último terço da partida. Espero não voltar a ver. 












publicado no Record

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

20 minutos (à Benfica)


"Nem tudo está mal quando se perde, nem tudo está bem quando se ganha". As palavras de Rui Vitória no rescaldo do jogo encerram uma das verdades mais esquecidas do futebol: uma equipa pode perder um jogo e deixar boa impressão, da mesma forma que é possível ganhar de forma fortuita.

É de elementar justiça que Rui Vitória tenha aproveitado a vitória folgada e a exibição morna para arrefecer os ânimos, em lugar de enveredar pela bazófia que é timbre de outros treinadores. Só lhe fica bem. Vale a pena, por isso, olhar para o que ainda correu mal no Benfica e para o que de bom aconteceu.

Uma vez mais, a equipa pareceu pobre de ideias de jogo ofensivo. O meio-campo surgiu vazio, com Fejsa a fechar muito perto dos centrais e a deixar Pizzi a grande distância. A organização atacante ressentiu-se e não se vislumbraram movimentações coletivas - Mitroglou, pesado, parecia um corpo estranho, incapaz de ligar o seu jogo ao de Jonas e, a defender, a equipa esteve muitas vezes mal posicionada, com Nélson Semedo a mostrar insuficiências.


Claro está, tudo ficou esquecido com os 20 minutos finais à Benfica. E aí emergiu o suplemento de classe de Gaitán, Jonas e Júlio César, a irreverência consequente de Victor Andrade e de Nélson Semedo e, acima de tudo, uma equipa que, solta das amarras (psicológicas?) que pareciam tolher os seus movimentos, se desinibiu. Pela primeira vez esta época, viu-se um caudal ofensivo vertical, capaz de aproximar o Benfica da baliza adversária. Agora, com um calendário favorável, o desafio é consolidar esta libertação emocional.












publicado no Record de terça-feira

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Em terra de ninguém



O problema do Benfica na Supertaça não foi tanto o resultado, mas os sinais dados pela exibição - as estatísticas, aliás, não enganam (38 ataques para o Sporting e apenas 18 para o Benfica). A equipa revelou que estava numa terra de ninguém: já não se exibiu com as ideias de Jorge Jesus e não foi capaz de apresentar um sistema alternativo ou, pelo menos, complementar. O Benfica já não é o de Jesus, mas está bem longe de ser o que Rui Vitória idealizou.

E aqui reside a questão central. Vitória já verbalizou o que pretende para a equipa, mas não se têm vislumbrado esses princípios de jogo na forma como o Benfica se tem apresentado em campo. Não se tem visto uma equipa capaz de controlar o jogo com bola (a principal lacuna da era Jesus), nem uma equipa com uma organização ofensiva mais pausada, ajudando com isso as transições defensivas. O Benfica perdeu o que de bom tinha com Jesus e, até ver, não ganhou o que Rui Vitória anunciou.

Há, contudo, uma frase a ecoar por cima de tudo isto. Na apresentação do novo treinador, Luís Filipe Vieira garantiu, "Rui Vitória vai ter as mesmas condições que outros tiveram". Ora isto implica ter jogadores de qualidade e jogadores que façam sentido para o novo sistema de jogo. Até ver, ainda não é claro qual é o sistema, mas continuam a faltar, pelo menos, dois jogadores para entrar no onze titular (um ala e um lateral esquerdo). Mas, como espero ver no domingo, bastará acrescentar a dinâmica e a intensidade que estiveram ausentes no Algarve para tudo começar a mudar.

publicado no Record de terça-feira

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Começar de Novo



Uma das fatalidades da idade adulta é perdermos a sensação de que podemos começar de novo. "Não temos mais princípios", definiu com acuidade George Steiner, dando corpo a um sentimento de perda de esperança e de declínio da criatividade nas nossas sociedades. Talvez no contraponto a esta impressão de declínio se encontre a resposta para o deslumbre e a paixão gerados pelo futebol.

No futebol temos sempre mais princípios e as novas épocas iniciam-se em rutura com as anteriores. De pouco serve a glória de vitórias passadas ou as taças erguidas há um par de meses. Agora, nada disso existe. Penso, claro está, no "nosso Benfica", mas a verdade é válida para todos os clubes. Este novo princípio tem consequências desportivas e exige dos jogadores uma atitude competitiva permanente, mas vale em igual medida para os adeptos.


Pier Paolo Pasolini, que escreveu extraordinários textos sobre o desporto-rei, afirmou que "o futebol é uma doença juvenil que se prolonga pela vida fora", para sublinhar que, tal como na infância, estamos sempre, em todas as jogadas, por mais estudadas ou treinadas, perante uma invenção, uma subversão dos códigos, algo de irreversível e irrepetível. Acrescentou mesmo que "o futebol é a última representação sagrada do nosso tempo". Uma combinação de ritual com evasão, que persiste, enquanto todos os outros ritos se encontram em declínio.

A ansiedade que chega com cada início de temporada, o entusiasmo com que vislumbramos indícios de um craque numa nova contratação ou a forma como contamos os dias até nos sentarmos de novo numa bancada são últimos redutos de uma vitalidade infantil que, em todos os outros lugares, se vai perdendo. O futebol regressa no domingo e voltaremos a ser crianças "selvagens e sentimentais". Saibam os jogadores estar à altura dessa responsabilidade.

publicado no Record de terça-feira