"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Qualquer Dia

Numa profecia condenada a autorealizar-se, muitos avisaram: "qualquer dia morre alguém por causa do ambiente em redor do futebol". Esse dia chegou (de novo) neste fim-de-semana.

Parte da explicação para o que se passou às portas de um Sporting-Benfica passa pela onda de violência verbal que hoje envolve o futebol, e que tem na mediatização imparável um rastilho relevante. Mas é abusivo estabelecer algum tipo de causalidade entre incontinência verbal e a morte de um adepto.

Um pouco por toda a parte, o futebol tornou-se o último reduto da pertença identitária e espaço para sentimentos excessivos, por definição irracionais. Precisamos disso, mas das paixões exacerbadas à violência o caminho é curto. Pelo que convém que as estradas estejam bem reguladas. Não estão.

É intolerável que dirigentes se entretenham a desculpabilizar os adeptos ultra dos seus clubes, porque os dos outros são piores. Não são. O que não impede de reconhecer que há níveis distintos de responsabilidade: não é a mesma coisa um presidente que se comporta como membro de uma claque e um presidente que finge que as claques podem estar fora da alçada do clube. Do mesmo modo que, como mostram exemplos de países que lidaram com a violência no futebol, é possível erradicar quase totalmente o fenómeno (por exemplo, irradiando adeptos dos estádios, sem complacência).

O que não é possível é um país ter no futebol uma indústria de sucesso, enquanto a imagem do desporto se degrada de forma inadmissível. O meu pedido como adepto incondicional é simples: aos dirigentes que ganhem juízo, às autoridades que tenham mão pesada com os prevaricadores. 

publicado no Record de 25 de Abril

Onde está a pressão?

A cinco jornadas do fim, as equipas já não alterarão a sua forma de jogar, nem corrigirão as suas insuficiências. As cartas estão lançadas: Benfica e FC Porto são, aliás, duas formações com uma ideia de jogo diferente, mas que se equivalem. O equilíbrio não quer dizer que o campeonato se vá decidir nas estratégias comunicacionais ou, como insiste o FC Porto, nas decisões das arbitragens. O campeão será escolhido dentro do campo, como tem acontecido nos últimos anos.

Com quinze pontos em disputa, a equipa que lidar melhor com a pressão será campeã. E os fatores a pressionarem o Benfica não são os mesmos que pressionam o FC Porto. Enquanto o Benfica está pressionado pela conquista de um tetra que seria inédito e por um abismo da vitória que persegue quem lidera competições durante muitas jornadas; o FC Porto encontra-se assolado por uma seca de títulos sem paralelos na história recente e, não menos relevante, pelo espetro de um investimento financeiro que se poderá tornar insustentável caso não regressem as vitórias. Até ver, o FC Porto revelou ansiedade nos momentos decisivos, claudicando quando esteve ao seu alcance assumir a liderança.

Por fora, corre um Sporting que passou a vencer quando deixou de estar pressionado. Alheado da disputa pelo título, o Sporting tornou-se uma equipa mais forte e que será determinante na escolha do campeão. É por isso também um Sporting mais perigoso aquele que o Benfica vai enfrentar no sábado. A menos que, como sempre acontece com os de Alvalade, o dérbi seja encarado com uma pressão adicional por ser o jogo que pode salvar a época.

publicado no Record de 17 de Abril

Um jogo horrível


É difícil imaginar uma exibição menos conseguida e um jogo pior do que o do Benfica em Moreira de Cónegos. Uma abordagem estratégica errada juntou-se a uma manifesta incapacidade para controlar a partida e, ainda, a um descontrolo emocional preocupante.
Pela primeira vez esta temporada, o Benfica teve sérios problemas face a uma equipa a defender com um bloco muito baixo. Até aqui, as maiores dificuldades do Benfica têm sido face a equipas que pressionam alto. Não foi o caso. Com recursos limitados, o Moreirense recuou e o Benfica foi incapaz de criar jogadas, quanto mais oportunidades de golo. Neste contexto, as trocas entre Jonas e Rafa, com aquele a cair na esquerda, são difíceis de compreender, pois limitaram-se a afastar o brasileiro de zona de finalização (fez algum remate?).
E que dizer da forma como, mesmo em vantagem, a equipa foi incapaz de controlar o meio-campo e, pior, se revelou desastrada nas saídas para o contragolpe? Sempre em inferioridade nas bolas divididas, à maior posse de bola nunca correspondeu um domínio do jogo. Neste quadro, a passividade tática foi alarmante.
Finalmente, uma equipa como o Benfica, a vencer uma das sete finais que faltava disputar, não pode revelar a instabilidade emocional que aparentou, tanto mais que estava face a um adversário manifestamente inferior.

No fim, sobrou o resultado, o apoio inexcedível dos adeptos e algum otimismo estatístico. A probabilidade de se repetir um jogo assim é diminuta, até porque a equipa tenderá a aprender com uma exibição que foi paupérrima.

publicado no Record de 10 de Abril

A verdadeira cartilha

Aparentemente, tem provocado grande ruído o facto de o Benfica enviar informação circunstanciada a alguns comentadores, pasme-se, afetos ao clube. Ainda não consegui perceber qual é exatamente o problema com este facto.
A semana passada, quando confrontado com a existência de tal informação, quer no Record, onde escrevo vai para quatro anos, quer na Sport TV+, onde comento desde o início do canal, fui claro na resposta, que recupero: "Cartilha só conheço a Maternal do João de Deus e o facto de um clube enviar informação sistemática é sinal de organização e de profissionalismo". Acrescentei que escrevo aquilo que penso e digo o que me apetece e que, para mim, é muito mais importante para formar a minha opinião as conversas quotidianas que tenho com outros grandes benfiquistas, os meus amigos Bernardo Azevedo, João Tomaz e Manuel Castro.

Este ponto é fundamental porque ajuda a perceber a verdadeira cartilha que rege os benfiquistas. Uma cartilha que firma um clube que não só existe para além de qualquer direção, por natureza transitória no tempo e limitada no seu poder, como recusa qualquer tipo de culto da personalidade do Presidente, quem quer que ele seja. O Benfica de que me habituei a gostar, e que sinto como meu, é mesmo uma agremiação de inclinação popular, pluralista e com adeptos hipercríticos e de pendor pessimista face à performance desportiva. Quando no nosso estádio os cânticos forem a Presidentes ou nas bandeiras se vir a face de dirigentes, é a identidade do Benfica, clube de espírito democrático e nascido nos meios populares de Lisboa, que estará a ser afrontada. Isto custa a perceber a todos aqueles que veem os outros à sua imagem e que, por isso, não hesitam em utilizar epítetos como 'avençados'. Tudo o que devo ao Benfica, e não é pouco, é do domínio imaterial: angústias diárias e emoção incontida nas vitórias.
Quem quiser fazer o exercício, que julgo penoso, de recuperar todos os meus textos no Record, concluirá que está perante um olhar não isento sobre o futebol e o Benfica em especial (afinal sou o sócio 8001 do Glorioso), mas também perante uma visão livre. Bem sei que para o lúmpen que pulula em redor do mundo do futebol seja difícil perceber que é possível ter uma filiação clubística inegociável, vibrar com as vitórias da nossa equipa, mas manter espírito crítico sobre a forma como a equipa joga ou até sobre as opções estratégicas que o clube toma. Não há opinião neutra e muito menos comentário higienizado. Os que me leem e ouvem sabem que sou – e, posso garantir, serei sempre –, com orgulho desmedido, benfiquista.

publicado no Record de 12 de Abril

O campeonato começou


As últimas imagens são as que perduram. Para quem viu o jogo em casa, o que fica é o Porto a queimar tempo para segurar o empate e a festejar no final da partida. No estádio, na retina ficou o capitão Luisão, enquanto as bancadas esvaziavam, de braços erguidos, em sinal de vitória, e a apontar para o escudo de campeão.
Trata-se de um belo retrato do que se passou no clássico e um sinal para o que aí vem. Depois do Porto avassalador – que vinha sendo anunciado aos sete ventos – não ter estado presente na Luz, do Benfica ter dominado a partida e ter estado sempre mais próximo da vitória, o Porto celebrava. É paradoxal que assim seja: afinal, o que fica das duas últimas jornadas do campeonato é que, por duas vezes, o Porto teve oportunidade de assumir a liderança e por duas vezes claudicou. A sete jornadas do fim, o Benfica lidera e o Porto aposta tudo num falhanço do Glorioso.
O campeonato começou agora e os cenários são incertos. Apesar de tudo, temos no histórico recente uma forma de perspetivar o futuro. E aí o Benfica leva vantagem. Não apenas, em absoluto contraste com o Porto, tem vários jogadores que já foram campeões com a camisola encarnada, como a equipa tem uma experiência de sucesso a lidar com a pressão. Na temporada passada, o Benfica liderou com dois pontos de vantagem durante dez jornadas. Deu a volta ao marcador em vários jogos, jogou em inferioridade numérica noutros, marcou nos últimos minutos e, semana a semana, foi construindo o caminho para o tri.

Conhecem aquela velha asserção de que a História se repete? Não é por acaso que acontece.

publicado no Record de 4 de Abril

Penáltis. Que Penáltis?


Pelo que se ouve dizer, se têm sido marcados os 485 penáltis que reclama só nesta temporada, por esta altura, o Porto liderava o campeonato nacional e seria favorito a vencer a Champions. Mas como penalties por marcar há para todos os gostos e todas as repetições televisivas, talvez valha pena fazer outro exercício: olhar para os penalties efetivamente marcados.
Os números, de facto, impressionam.
Nos últimos quatro anos, o Sporting teve 36 penáltis a favor; o Porto 32; e o Benfica 26. Será que este indicador nos diz alguma coisa? Se pensarmos que o Benfica foi a equipa que mais venceu e também a mais atacante nos últimos anos (288 golos marcados contra 256 do Porto e 249 do Sporting), é estranho que esta dinâmica atacante resulte num número inferior de grandes penalidades.
Tão relevante como o número de penalties é, como é sabido, o momento em que são assinalados. E aqui, de novo, uma série longa causa estranheza: dos 36 penáltis de que o Sporting beneficiou, 14 foram assinalados com o jogo empatado; no caso do Porto, o rácio é ainda mais favorável, 17 em 32 (isto é, mais de metade); já o Benfica, em 26 penalidades, apenas seis foram marcadas com o marcador empatado.
Projetemos agora o exercício à atual temporada. Enquanto o Porto teve seis penáltis a favor, cinco deles foram assinalados com o resultado empatado; já Benfica beneficiou de quatro penáltis, mas apenas um com o jogo empatado.
É estatisticamente curioso que a equipa que mais atacou nos últimos anos seja aquela que tem menos penáltis e ainda mais curioso que estes sejam menos decisivos para a marcha do marcador.
Querem mesmo continuar a falar de penáltis?


publicado no Record de 28 de Março