"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Jesus, fica


"Com ele passei a ter uma visão geral do futebol. Com os outros, treinávamos o ataque, a defesa, mas não havia essa ideia de conjunto. Todos os jogadores deviam ter a oportunidade de treinar com um treinador assim." Cito de cor, mas julgo estar a ser fiel às palavras de Jonas a propósito de Jorge Jesus, aos microfones da TSF, no final do Benfica-Marítimo. Jonas, esse mesmo, que, quando parecia ter chegado ao ocaso da sua carreira, redescobriu o prazer pelo futebol e ajudou a decidir o título.

Notem bem, foi Jonas que o disse, mas poderia ter sido qualquer outro jogador - e nem precisava de ter nome de profeta. Há, aliás, uma estranha unanimidade: tenham jogado muito, pouco ou até quase nada, pouco importa, todos os jogadores que passaram pelas mãos de Jesus elogiam a sua visão singular sobre o futebol.

Podia, é um facto, não passar de um treinador com capacidade de inovação, mas Jesus traduz a sua ideia de jogo em resultados e, não menos importante, em espetacularidade. Tem, é claro, defeitos (à cabeça a teimosia e a dificuldade em montar uma equipa também capaz de controlar o jogo com bola), contudo, no Benfica dos últimos tempos, há um antes e depois de Jesus.

A equipa hoje tem uma ideia de jogo, uma organização coletiva com poucos paralelos e uma identidade de tal forma robusta que vão mudando os jogadores e, com auxílio de dois pares de líderes no balneário, a diferença quase não se sente, mesmo quando joga o "Manel". Nos últimos seis anos, o Benfica só se encontrou em duas situações: vencer títulos ou disputá-los até ao fim.


Com Jesus como treinador, o Benfica arrisca-se a continuar a ganhar. Sabemos nós, benfiquistas, e sabem-no também adeptos e dirigentes dos nossos rivais. Para que Porto e Sporting vençam o Benfica, já não basta terem jogadores talentosos, precisam, também, de apresentar uma enorme solidez coletiva. O suplemento que Jesus oferece ao Benfica.













publicado no Record de terça-feira

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Desorientados


Recuemos ao início da temporada. O Benfica era uma equipa em desagregação: o plantel que havia vencido o triplete com nota artística parecia ferido de morte e as alternativas tardavam a aparecer. Já não havia Oblak, Rodrigo, Garay e Siqueira e ainda não havia nem Júlio César, nem Samaris, para não falar de Jonas. Enquanto se anunciava a saída iminente de Enzo Pérez, os jogos de preparação, disputados por uma mão-cheia de novas contratações entre o sofrível e o medíocre, tornavam o bicampeonato uma miragem distante.
No Dragão, a história era outra. Depois de uma temporada para esquecer, apostava-se forte e não vencer era uma impossibilidade. Um treinador novo, com um voto de confiança inusitado por aquelas bandas (3 anos de vínculo), contratações em catadupa, empréstimos a peso de ouro e qualidade em todos os sectores – a contrastar com o leque de jogadores que Paulo Fonseca tinha tido ao dispor.
O Benfica iniciou a temporada derrotado e o Porto tinha tudo para vencer o campeonato. Mas não foi assim.
Jesus compensou fraquezas com a força da organização colectiva e fez do “Manel” um jogador ao serviço de uma ideia de jogo consolidada. Depois, claro está, Júlio César ofereceu a segurança defensiva que a equipa não havia tido nos últimos anos e Jonas foi um autêntico joker – importante pelos golos que marcou, fundamental pela forma como participou no jogo atacante.
O Porto, pelo contrário, viu a temporada pautada pela desorientação. A abrir, Lopetegui entregou-se ao experimentalismo, mudando a equipa jogo sim, jogo sim, até à 16ª jornada. As coisas começam a correr mal e não surge o campo inclinado a que os portistas se habituaram. Resultado, a “estrutura” não compreende as razões do falhanço e coloca o treinador a dar o corpo às balas.
Tudo somado, a grande novidade desta temporada foi a desorientação revelada pelo Porto.

publicado no Record de terça-feira 

A vitória anunciada que afinal não o foi


Agosto de 2014, pelas bandas do Estádio da Luz assiste-se a uma debandada. A equipa que conquistou o triplete com nota artística está a sofrer uma sangria com poucos paralelos. Depois de perdidos Rodrigo, André Gomes e Garay, em poucos dias partem Siqueira, Oblak, Markovic, Cardozo e, percebe-se, Enzo acabará por sair. Entre saídas, a equipa faz uma pré-temporada medíocre, na qual maus resultados se combinam com a apresentação de uma meia-dúzia de jogadores sofríveis. O campeonato inicia-se sem uma solução para a baliza, sem um avançado para compensar a saída de Rodrigo e Cardozo, sem opções para o lugar 6 (posição chave no esquema de Jorge Jesus) e com uma defesa que parece uma manta de retalhos. Como se não bastasse, Rúben Amorim lesiona-se gravemente na 2ª jornada e junta-se a Fejsa. Repetir 2013-14 era uma miragem distante e o campeonato parecia entregue à partida. Desta feita, tudo dependia mesmo da capacidade de Jesus formar uma equipa e jogar com muitos “manéis”.
No Dragão a história era toda outra. Depois de uma época para esquecer, a equipa mantinha os jogadores de maior qualidade (Jackson, Danilo e Alex Sandro) e contrata meia-dúzia de talentos indiscutíveis. Dinheiro parece não faltar: para empréstimos luxuosos (Casemiro e Óliver) e para contratações proibitivas para o nosso campeonato (Adrián Lopez). Um treinador desconhecido não se limita a ter um voto de confiança incomum naquelas paragens (um contrato de 3 anos), como tem um plantel bem distante dos Licás, Carlos Eduardos e Josués que Paulo Fonseca havia tido ao seu dispor.
Em teoria, o campeonato iniciava-se com o terreno inclinado a favor do Porto, que não podia perder, enquanto o Benfica tinha tudo para entregar o ‘caneco’ nas jornadas iniciais. Como sabemos hoje, não foi assim que as coisas se passaram. O Benfica assumiu a liderança à 5ª jornada para, contra todas as probabilidades, nunca mais largar o comando. Já o Porto, habituado a gerir a sua posição hegemónica com todo o tipo de ajudas fora de campo, não compreende o que se está a passar, começa a ficar desorientado, e saca do discurso do “colinho”.
Na política costuma dizer-se que as eleições não se ganham, perdem-se. Talvez, na realidade, não seja bem assim e os resultados sejam sempre uma combinação particular de derrota com vitória. No futebol é um pouco o mesmo que acontece. O Benfica ganhou porque foi mais forte coletivamente e porque revelou estatura de campeão, resistindo psicologicamente. Mas o Porto também foi responsável pelo 34º campeonato do Benfica, na medida em que perdeu, quando tinha tudo para ganhar. Essa é, aliás, a grande novidade deste campeonato, quando comparado com os das últimas duas décadas.

Publicado no Expresso no Domingo às 20 horas.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

A importância do 34


Tem sido dito que a conquista do 34.º título do Benfica será muito importante pois desde 1982-84, sob o comando de Eriksson, que o Benfica não ganha um bicampeonato. A vencer este ano, o clube inverte a tendência de hegemonia do Porto, que se fez sentir, em particular, desde a década de noventa. 

Na verdade, há um outro aspeto tão ou mais importante do que ganhar dois títulos seguidos. Nos últimos campeonatos que o Benfica venceu, o adversário direto nunca foi o Porto. De facto, quando os campeonatos foram disputados até ao fim entre Benfica e Porto, os dragões acabaram por se sagrar campeões. Tendo em conta o legado psicológico de 2012-13 e 2013-14, a vitória deste ano pode anunciar uma mudança importante. 


Senão vejamos: o último campeonato que o Benfica venceu, depois de uma competição ombro a ombro com o Porto, foi em 1990-91, já lá vão 24 anos. Na época passada, o 2.º classificado foi o Sporting e em 2009-10, o Braga. É um facto que quer em 1993-94, quer em 2004-05, o Benfica foi campeão com o Porto a sagrar-se vice-campeão. No entanto, ambos os campeonatos foram disputados entre Benfica e Sporting, com o clube de Alvalade a capitular na reta final (num caso, com a derrota por 6-3; noutro com o golo de Luisão quase ao cair do pano na luz). 

Este ano, o Benfica não só parece ter o título à mão de semear, como resistiu na liderança desde a 5.ª jornada, com o Porto à ilharga, nunca claudicando. É também por isso que estamos perante uma conquista que, a concretizar-se, é tão importante. Tanto mais que o Porto investiu muito, com empréstimos a preços impraticáveis (Casemiro), contratações de valores proibitivos para o campeonato português (Adrián López) e uma aposta de médio-prazo num treinador desconhecido. Convém recordar que este era o ano em que o Porto não podia falhar e em que o Benfica iniciou a época quase derrotado.

publicado no Record de ontem.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Bloqueio Psicológico


Com o aproximar da reta da meta, é natural que qualidade técnica, consistência defensiva e criatividade ofensiva continuem a contar, mas o que faz mesmo a diferença é a capacidade psicológica. Saber lidar com a tremideira que vem com o momento em que o título se começa a vislumbrar de forma nítida no horizonte é, agora, decisivo.

Em Barcelos, para além de uma exibição vistosa, com o futebol massacrante a que o Benfica nos habituou nos jogos em casa, viu-se uma equipa desbloqueada psicologicamente, a transbordar confiança. A atitude intimida os adversários, mas serve também para enviar sinais para o competidor direto. 

A sensação com que se fica é que, depois de ultrapassado o teste decisivo do confronto direto com o Porto, a equipa libertou-se de um peso psicológico que, por vezes, e na ausência do colinho oferecido pelos adeptos no Estádio da Luz, parecia retirar confiança e tolhia os movimentos atacantes dos comandados por Jorge Jesus.


E, como se verá no final da temporada, num campeonato disputado até ao fim, a dimensão psicológica acabará por se revelar decisiva. E, até ver, também aí o Benfica leva vantagem. Nos momentos decisivos, o Benfica falhou em Paços de Ferreira, quando devia ter acabado com o campeonato, mas o Porto falhou na Madeira, contra o Nacional, quando podia ter aproveitado o deslize do Benfica em Vila do Conde, e revelou-se incapaz de ultrapassar a teia tática montada por Jesus na Luz - o que aliás explica o descontrolo emocional que Lopetegui tem revelado desde então. 

Nas próximas três jornadas, ao Benfica cabe, por isso, continuar a gerir a vantagem pontual, mas, claro está, fá-lo-á alavancado por uma vantagem psicológica que dá um suplemento de confiança e coloca o "caneco" a uma distância cada vez mais curta.

publicado no Record de terça-feira

We are ugly but we have the music


quarta-feira, 6 de maio de 2015

Para os sobreviventes

“No matter how dark the storm gets overhead/They say someone’s watching from the calm at the edge".

O Jason Molina morreu há dois anos e não deixou grande legado que se visse (isto é, não há por aí quase nada para ver com qualidade decente). O mesmo não é verdade quanto ao legado para ouvir. À boleia das reedições que, lentamente, a secretly canadian tem promovido é possível recuperar o tempo perdido sem o escutar. Tudo isto porque encontrei 20 minutos online que podem ser vistos e ouvidos.



o resto está aqui.