"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Assim se fez (Glorioso)





Experimentem escolher os 50 jogos mais marcantes da história do vosso clube e enfrentarão uma tarefa hercúlea. Primeiro há que definir critérios, logo depois serão atraiçoados pela memória – o que vos condenará a selecionar os jogos que vivenciaram ou aqueles de que existe registo vídeo. O melhor mesmo é abandonar a tarefa.
Pois o João Tomaz e o Fernando Arrobas arriscaram escrever sobre os 50 jogos mais marcantes da história do Benfica e publicaram, por estes dias, “Assim se fez Glorioso”. Uma visão criteriosa, naturalmente subjetiva, das 50 partidas mais marcantes do Benfica. O difícil, como bem sublinham, numa história tão longa não foi escolher, mas excluir. Os critérios foram ambiciosos: num clube com a grandeza do Benfica, só podiam constar jogos que fizessem parte de caminhadas vitoriosas. Ou seja, vitórias em competições nacionais que não se traduziram em conquistas de títulos no final do percurso ficaram de fora.
Resta-nos escolher os jogos mais marcantes da nossa história como adeptos. Pois eu que assisti a muitos dos encontros referidos e emociono-me com os relatos de outros que não vivenciei, percorridas as 50 partidas mais marcantes, inclino-me para uma distante, disputada em Fevereiro de 1907, na qual uma equipa só de portugueses, de extração popular, colocava fim à invencibilidade dos ingleses do Carcavellos, que durava há nove anos. A razão é simples: a médio direito jogou o meu tio-avô, Marcial de Freitas e Costa, que infelizmente não conheci. Tendo crescido numa família em que o futebol é tema estranho e desinteressante, talvez tenha sido essa inscrição genética que me fez benfiquista fervoroso.

publicado no Record de terça-feira

domingo, 27 de dezembro de 2015

Honrem as camisolas?


É preciso recuar bastantes anos para nos recordarmos de um ambiente tão tenso num jogo do Benfica no Estádio da Luz, como o deste fim-de-semana com o Rio Ave. Coro de assobios, faixas a exigirem mais da equipa e claques a pedirem aos jogadores para honrarem as camisolas. No fim, com um resultado positivo e com mais uma partida decidida num ímpeto atacante final, o ambiente lá se recompôs. Não quer dizer que os problemas de fundo estejam resolvidos.
Desde logo, o apelo para que os jogadores honrassem a camisola. Trata-se de um equívoco: o problema do Benfica não tem sido de profissionalismo – no domingo, não vislumbrei nem apatia, nem falta de empenho. O que se viu, uma vez mais, foi uma equipa que joga aos repelões e que depende da qualidade individual para resolver o que o conjunto não é capaz de solucionar. Uma vezes é Gaitán, outras é Jonas que vão ultrapassando os bloqueios coletivos. Sem uma ideia de jogo, sem organização torna-se bem mais difícil, para recuperar uma metáfora do passado, ao “Manel” brilhar, integrar-se no conjunto e disfarçar as debilidades individuais. A consequência é clara: a jogar assim, os melhores pioram e os menos bons nunca melhorarão.
Ora, com muitos “Manéis”, um par de jovens muito talentosos, dois ou três craques e uma equipa num limbo tático (ainda não abandonou o sistema de Jesus e não abraçou o de Vitória), o Benfica está condenado a sofrer em campo. Até ver, estamos em dezembro e os resultados têm sido bem melhores do que as exibições. O menor dos problemas é o empenho dos jogadores.

 publicado no Record de terça-feira

sábado, 19 de dezembro de 2015

Os melhores discos do ano

E chegámos à época das listas dos melhores discos anos. Este ano, participo em duas. No Fora d'Horas da SIC-N, juntamente com o Miguel Ribeiro e o Vítor Belanciano, após muito debate e a definição de um sofisticado sistema de voto, a armadilha da decisão conjunta produziu esta lista de 20 discos. Já na TSF, a solo, a minha lista é esta. Que pode ser escutada aqui. Aproveitem para comprar uns discos para o natal: os artistas agradecem.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Nunca te esqueças, Renato



O dramaturgo Nélson Rodrigues deixou um conselho aos jovens, "envelheçam depressa!". Sérgio Rodrigues em ‘O Drible’, notável romance com o futebol como pretexto, ficcionou Nélson em pleno Maracanã, a vociferar na bancada de um Fla-Flu, esse mesmo apelo à maturidade, "envelheçam!". Um apelo que o autor de ‘À Sombra das Chuteiras Imortais’ sabia ser dirigido a si próprio, imerso na incapacidade pueril para se libertar do prazer do futebol. Afinal, "o adulto não existe".

De cada vez que emerge um jovem talento no futebol, de imediato forma-se um coro que afirma: o jogador tem de amadurecer. Com Renato Sanches não tem sido diferente. É-nos dito que é um projeto de jogador, tem de temperar a energia, aprender a ocupar os espaços defensivos, dosear a impetuosidade.
O meu apelo é outro: Renato, não envelheças. Continua a jogar de forma imprudente, a arriscar nos passes verticais, a avançar de forma destemperada com a bola nos pés pelo meio-campo adversário acima. "O problema não é crescer, é esquecer". Não te esqueças do futebol que aprendeste na rua e, mesmo naquela partida decisiva da Champions ou no jogo do título contra o Porto, entra em campo como se ao teu lado estivessem os putos do Águias da Musgueira ou fecha os olhos e imagina que os teus colegas são sempre os teus amigos das camadas jovens do Benfica.

Desobedece ao rigor tático e não ouças os ensinamentos dos treinadores. Faz isso por nós que, na bancada, não queremos envelhecer e buscamos no futebol uma representação suspensa da infância. Feita de jogadores como tu.

publicado no Record

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Hat-trick do Benfica


Encontro-me entre aqueles que tiveram uma reação cética à decisão do Benfica de não vender os direitos dos jogos. Da mesma forma que me parecia necessário romper com a estratégia negocial imposta há décadas por Joaquim Oliveira, também tinha dúvidas quanto à possibilidade de uma televisão de um clube emitir jogos prime. No mundo inteiro, não havia um único clube relevante, numa única modalidade, com este modelo de negócio – por alguma razão seria. O Benfica estava entre a espada (o monopólio da intermediação da PPTV) e a parede (não tinha alternativa para além de ficar com os direitos).
Dois anos passados, a estratégia de que tantos duvidaram revelou-se um sucesso. A solução encontrada não era para durar e transformou-se numa arma negocial muito eficaz. Agora, com a renegociação dos direitos, o Benfica fez três remates certeiros. Um hat-trick que deixa os adversários muito preocupados.
De uma assentada, o Benfica aumentou o valor de referência dos direitos dos jogos, acabou com a intermediação e fez abortar o projeto de centralização. Ganhou em três campos.
O mais importante talvez até nem seja o valor acordado com a NOS, mas as implicações do contrato no negócio das transmissões televisivas. Doravante, os produtores de conteúdos (os clubes) poderão passar a negociar diretamente com os distribuidores, sem uma intermediação que viciava o futebol português. Já a centralização de Pedro Proença morreu antes de nascer.
É caso para dizer, “chapeau!”, Presidente.

publicado no Record de terça-feira

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Rirmos de nós próprios

a propósito deste video, escrevi este texto

åΩ

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Magnífico



tenho andado a tentar encontrar alguma coisa para assinalar no disco novo do Bill Ryder-Jones. não consigo.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A identidade do Benfica

O Benfica entrou em Braga a jogar sobre brasas. O jogo foi lançado como sendo decisivo para a equipa (que perdendo ficaria, alegadamente, afastada da corrida ao título) e, ainda mais, para o treinador (uma nova derrota seria, era sugerido, o fim da linha para Rui Vitória). Não me parece que nenhuma das conjeturas fosse válida. Em todo o caso, o Benfica jogou contra fantasmas pré-anunciados e, mesmo continuando a revelar fragilidades, ganhou com justiça. E venceu num terreno onde o Benfica dos últimos anos teve sempre bastantes dificuldades.

Em Braga, apresentou-se uma equipa mais próxima da ideia de jogo de Rui Vitória. Em lugar da indefinição tática que tem assolado o Benfica, desta feita a opção foi por um sistema que permitiu ter superioridade numérica constante no centro do terreno e que procurou anular o jogo interior do Braga.

Mas não tenhamos ilusões: o resultado foi melhor do que a exibição e a pressão alta - muito por força da altíssima rotatividade de Renato Sanches - serviu para ocultar os crónicos problemas de posicionamento defensivo da equipa. Quando o Benfica teve energia para forçar perdas de bolas do Braga, o jogo correu de feição. O pior foi quando a equipa se encolheu, entregou a iniciativa ao Braga e expôs as suas debilidades.

Para memória futura ficará, contudo, a confirmação de que Renato Sanches pode bem ser o elo de ligação que faltava no meio-campo do Benfica. Resta agora consolidar uma identidade tática que ajude a afirmação plena dos jovens talentos. O que tem faltado desde agosto.

publicado no Record de terça-feira

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O mal do Benfica


As derrotas do Benfica com o Sporting e, pior, as exibições lastimáveis não foram fortuitas, nem muito menos provocadas por erros de arbitragem. Têm razões estruturais, que nasceram numa época com um planeamento desastroso, e são um sintoma de um mal maior.
Há, pelo menos, três pecados originais a marcarem o Benfica 2015-16: a gestão da saída de Jorge Jesus; a formação do plantel e a indefinição do sistema de jogo.
Se o Benfica queria mudar de treinador, devia tê-lo assumido, em lugar de fingir que quis manter Jesus; se estávamos perante um ano de transição competitiva, com a aposta em jovens, devia ter sido dito, em vez de se disfarçar que Rui Vitória teria – cito as garantias dadas por Vieira na apresentação do novo treinador – “as mesmas condições que outros tiveram”; se era chegada a altura de mudar o sistema de jogo, a opção tinha de ser tomada integralmente e não deixar a equipa no limbo tático em que se encontra.
Aliás, talvez nem seja necessário complexificar muito. A diferença do Benfica deste ano para o de Jesus é o efeito combinado de menor qualidade do plantel e ausência de uma ideia de jogo enraizada. Nas épocas anteriores, o Benfica foi tendo jogadores de muita qualidade, este ano, aprofundou-se o declínio que já vinha da época passada. Acima de tudo, no passado, existia uma ideia de jogo perceptível, agora esses princípios eclipsaram-se e no seu lugar vê-se uma equipa que joga sem critério e que, custa a decidir, não sei se é pior a defender ou a atacar. 

publicado no Record de terça-feira

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O sentimento de um Ocidental



Muitos já terão visto o momento do França-Alemanha em que uma das bombas explode à porta do Stade de France. Patrice Evra, que conduz a bola no seu meio-campo defensivo, faz um ar de espanto, que se transforma numa expressão de um certo desdém, para logo depois atrasar a bola. O jogo prossegue e a França acaba por sair vitoriosa. Hoje, o resultado não importa, o que não quer dizer que o jogo não tenha sido relevante. Pelo contrário.

Tendo em conta o que se sabia estar a acontecer em Paris, pode ter sido tentador interromper a partida ou até cancelar os vários jogos previstos entre seleções para o dia seguinte. Teria sido um erro.

Se houve uma intenção clara nos atentados de sexta-feira foi impedir que desfrutemos em conjunto do prazer de ver um jogo de futebol num estádio, de assistir a um concerto de rock numa sala irrespirável ou, apenas, que nos juntemos, homens e mulheres, para beber uns copos.

É um daqueles casos em que a vida, aliás, pode aprender com o desporto. No futebol, o melhor que uma equipa pode fazer se quiser ajudar o adversário é adaptar o seu sistema de jogo. Com o terrorismo não é diferente: não há pior sinal do que ceder a quem se rege pelo culto bárbaro da morte.

Podemos, como Evra, por momentos atrasar a bola; só que, logo depois, com a mesma expressão do francês, resta-nos voltar a atacar e impor a superioridade do nosso modelo de jogo: encher estádios, beber álcool e gostar de rock’n’roll. Prazeres que o fanatismo religioso veda a alguns, mas que, nunca devemos esquecer, fazem parte do culto da alegria, um dos alicerces da nossa civilização.

publicado no Record de terça-feira