terça-feira, 31 de dezembro de 2013
terça-feira, 24 de dezembro de 2013
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
Os melhores discos de 2013
1. Bill
Callahan – Dream River (Drag City)
Pode
alguém cantar a mesma canção anos a fio e surpreender-nos sempre ao revelar um
ângulo (ainda) mais intenso e dramático? Bill Callahan prova que sim e
deixa-nos com Dream River aquele que é o ponto alto da sua longa carreira – o
que não é pouco. Ao ponto de, com suprema ironia, declarar, “I've got limitations like Marvin Gaye”.
2. Vampire
Weekend – Modern Vampires Of The City
(XL)
Com
o seu pop-rock de travo fácil e sofisticado, estes quatro rapazes de nova-iorque,
presos entre o hype global e os
ritmos africanos como interpretados por Paul Simon em Graceland, pareciam
correr o risco de se repetir, tornando-se redundantes. Mas, ao terceiro álbum,
resolveram baralhar (foi-se o imediatismo rock) e voltar a dar (ganhou-se
sofisticação formal). Um disco que, sendo uma evolução na continuidade,
surpreende e que se vai entranhando.
3. Laura
Marling - Once I Was an Eagle (Ribbon Music)
São
aparentemente limitados os caminhos da folk e, por vezes, parece que o espaço
para rupturas já foi todo ocupado. Mas esta jovem aristocrática britânica arrebata
pela sua maturidade e não hesita em dialogar com os grandes. O tom dylanesco é
evidente e um disco descarnado, no osso, pode mesmo voar alto e ser um soco no
estômago.
4. Jim
James - Regions of Light and Sound of God (ATO)
Para
quem está convencido que “nada muda”, a estreia a solo de Jim James, líder dos
míticos My Morning Jacket, funciona como poderoso argumento de sentido
contrário. Por aqui não há resquícios do guitar-hero inspirado em Neil Young,
mas apenas uma soul orquestral, poderosa e empurrada por algumas das canções do
ano. Nunca se ouviu um Jim James tão inspirado.
5. Prefab
Sprout – Crimson/Red (Icebreaker Records)
Dez
anos passados, a pop volta ao lugar onde foi mais feliz. Paddy McAloon,
o “velho mágico” da canção pop, redescobre os seus Prefab Sprout e leva-os de
volta ao sítio onde havíamos ficado: canções trauteáveis, arranjos imaculados e
lampejos de utopias melódicas como as que herdámos de “Steve McQueen” e “From
Langley Park to Memphis”. Um disco irresistivelmente conservador.
6. Julia
Holter – Loud City Song (Domino)
Ao
terceiro disco, Julia Holter encontra a dose certa de vanguardismo formal e
enlevo pop e oferece-nos um álbum que precisa de tempo para ser apreciado. Esta
californiana pega no legado de experimentalismo pop, onde Laurie Andersen e
Kate Bush o deixaram, e devolve-nos canções de filigrana, que refletem uma
ingenuidade de natureza lynchiana. A certa altura Holter canta “I don't understand falling leaves. A tree's a tree", e
por detrás da complexidade da sua música emerge esse mesmo lado essencial.
7. The
National – Trouble Will Find Me (4AD)
Patronos
da legião mundial de auto-depreciativos, capazes de combinar guitarras
abrasivas com cadência melódica e porta-vozes da geração sobre-30
urbano-depressiva, os The National continuam a revelar, álbum após álbum, as
mesmas “canções tristes para amantes sujos”. Trouble Will Find Me não destoa.
Não tem a energia primitiva de Boxer, nem os hinos para cantar de punho erguido
no recato do quarto de Alligator, nem sequer o apelo mainstream de High Violet. Mas é possível resistir ao apelo por conforto
de Matt Berninger quando se descreve (ou nos descreve?) como “a television version of a person with a broken heart”?
8. Alela
Diane – About Farewell (Burnside)
Há
poucos desafios tão difíceis como cantar com contenção o desalento do fim de
uma relação – a linha a separar o bom
gosto da pura lamechice é muito ténue. Alela Diane enfrenta o desafio com
sucesso e About Farewell, sendo um retrato do fim, é também um início, que
combina frustração com uma esperança desalentada, e por isso mesmo realista. A
intimidade que se ouve neste disco é de tal forma vivida que somos capazes de,
ao escutá-la, vivê-la como nossa. Poucos discos soaram tão autênticos este ano.
9. Nick
Cave & the Bad Seeds – Push the Sky Away (Bad Seed Ltd.)
Se
tirarmos Leonard Cohen, ninguém canta de forma tão exata a combinação de amor, religião,
poder e sexo que nos forma como Nick Cave. Mas se, no início da carreira, a
marca do australiano era o negrume e a atração pelo abismo, com a maturidade a
sua música foi-se revelando crescentemente suave, como que para encobrir os
temas de sempre. O disco deste ano, o 15º da banda, marca o fim da parceria de
décadas com Mick Harvey e tem nos loops incessantes de Warren Ellis uma base
sonora que funciona como uma tempestade tranquila e que faz emergir uma
mão-cheia de canções que fará parte do cancioneiro de Cave.
10. Volcano
Choir - Repave (Jagjaguwar)
O
que começou por ser um projecto paralelo e experimentalista de Justin Vernon
(Bon Iver) com membros dos Collections of Colonies of Bees, soa, ao segundo álbum, como uma combinação das duas
dimensões de Bon Iver: o lado mais bucólico e intimista do disco de estreia com
a natureza grandiloquente do segundo álbum. Para os fãs do Bon Iver mais
recente, o disco de Volcano Choir enche as medidas, para os nostálgicos da sua
estreia, sempre serve para matar saudades.
para ouvir aqui.
quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
O Bernardo
A forma como avaliamos um jogador do nosso
clube é sempre uma projeção de nós próprios como adeptos. É isso que faz com
que queiramos jogadores que suem a camisola com a intensidade com que sofremos
pelas nossas cores. É tanto assim que os anos vão passando e continuamos a
alimentar ilusões infantis: podemos nunca ter tido qualidades técnicas, mas,
quando fechamos os olhos, vemo-nos a agarrar a bola para marcar o golo
decisivo, sob os aplausos do estádio. Quem sofre com futebol, sofre com o seu
clube e, nessa indistinção, exigimos dos jogadores o que nós daríamos se, por
fortuna, pudéssemos estar no seu lugar.
De quando em quando surge um jogador adepto
como nós, mas com o talento que ambicionámos ter. Um sofredor que tem a sorte
de poder sofrer no relvado, de camisola ao peito. Há jogadores profissionais
que honram a camisola; mas uma coisa é jogar com afinco, outra é jogar com
afinco com a camisola do clube do coração. Momentos há em que, numa espécie de
epifania, ao adepto se junta o empenho e o talento. É desta conjugação que
nascem os jogadores que nos fazem sonhar.
No futebol em que as equipas são cada vez
mais “seleções do resto do mundo”, o jogador-adepto é uma raridade. É essa
natureza rara que o torna precioso.
O Bernardo Silva é ainda um projeto de
jogador, que deve ser acarinhado e protegido. Mas é um jogador-adepto como, nós
benfiquistas, não víamos há muito. Não só a sua paixão pelo Glorioso é, em
tudo, igual à de quem se senta nas bancadas, como tem um virtuosismo como
aquele que idealizámos para nós, caso vestíssemos as camisolas vermelhas. Com o
Bernardo, a bola parece ter sido feita para o servir, colando-se-lhe aos pés
para ganhar um sentido que não vislumbrávamos. No meio da monotonia mecânica em
que se tornam os jogos, as suas jogadas são fragmentos poéticos que simplificam
tudo, revelando como o futebol pode ser fácil.
O Bernardo é a matéria de que são feitos,
hoje, os sonhos benfiquistas. Ora se o futebol não servir para alimentar
sonhos, serve exatamente para quê?
publicado no Record de ontem.
segunda-feira, 16 de dezembro de 2013
Estes alemães que nos governam
Era uma vez um burro, um
cão, uma gata e uma galinha que, passada a idade ativa, se haviam tornado redundantes.
Nas quintas onde serviam, o seu trabalho já não era útil. Na fábula dos irmãos
Grimm, “Os músicos de Bremen”, os animais revoltam-se contra os patrões e fazem-se
à estrada. Pelo caminho, enfrentam dificuldades, mas, com a música que cantam
juntos, são capazes de vencer as agruras do caminho e encontrar liberdade na
cidade.
Mais de um século passado do
texto original, Chico Buarque adaptou uma versão italiana para escrever o mais notável musical infantil em português, “Os Saltimbancos”. Para muitos dos que
nasceram na década de 70, as canções irresistíveis de “Os Saltimbancos”
devolvem-nos ecos inesquecíveis da infância. Mas, se para os irmãos Grimm a
luta dos animais simbolizava uma libertação dos resquícios do feudalismo que
persistiam no século XIX, para Chico a história era outra. Os animais eram
símbolos de várias classes sociais que se rebelavam contra a ditadura. Hoje,
podemos ler em “Os Saltimbancos” outras narrativas, mas persiste a tensão entre
os de “baixo” e os de “cima”. Entre os redundantes (os idosos que já não são
precisos ou os trabalhadores que vivem acima das suas possibilidades) e aqueles
que são sempre lestos a exigir sacrifícios aos outros mas muito eficazes a
viver imunes a essas mesmas exigências.
Podemos bem pensar em “Os
Saltimbancos” quando observamos as transformações políticas na Europa. Numa
daquelas ilusões ingénuas que alguns vão alimentando, criou-se uma grande
expectativa de que a eleição de Hollande em França implicaria uma alteração na
paisagem política europeia. Quando se percebeu que de França não viriam bons
ventos, as expectativas mudaram de paragem e a esperança foi colocada na ida
para o poder do SPD, na Alemanha. No entanto e como seria de esperar, a grande
coligação alemã continuará a percorrer o caminho míope de Merkel.
Que assim seja é compreensível.
Entre os interesses imediatos do seu
eleitorado e uma visão estrutural para a Europa, o SPD escolheu os seus
eleitores. O problema não são os alemães, mas os alemães que nos governam em
Portugal, abdicando de defender os nossos interesses.
Os casos são muitos,
mas é difícil encontrar um exemplo mais paradigmático do que aquele dado esta
semana pelo secretário de Estado – note-se bem – dos Assuntos Europeus. Numa
mistela de germanofilia com neo-conservadorismo, o governante foi à Grécia e
não lhe ocorreu nada melhor do que opor-se a uma coligação dos países do sul
para inverter a política europeia. Saiu de lá com o epíteto de “o alemão”.
Regressado, fez graçolas sobre o assunto nas redes sociais.
Numa das canções de
“Os Saltimbancos”, os animais cantam “junte um bico com dez unhas/quatro
patas, trinta dentes/E o valente dos valentes/Ainda vai-te respeitar/Todos
juntos somos fortes/Somos flecha e somos arco”.
Se há leitura a fazer das eleições francesas e alemãs é que dependemos de nós, pelo
que devíamos aprender a lição dos “músicos de Bremen”.
“Os Saltimbancos” é
um musical infantil que está em cena no Teatro Experimental de Cascais e que
deve ser visto por todos os adultos.
publicado no Expresso de 7 de Dezembro
quinta-feira, 12 de dezembro de 2013
sábado, 7 de dezembro de 2013
Os Saltimbancos
o meu artigo de hoje no Expresso percebe-se melhor se virem este documentário (aliás, a visualização do documentário dispensa a leitura do artigo)
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
O inexplicável
O
Inexplicável
Na quarta-feira,
bastaram escassos minutos em campo para Rodrigo desbravar uma alameda rumo à
baliza do Anderlecht. Subitamente, um jogador desaparecido, vai quase para dois
anos, ressurgia, a passe letal de Sulejmani. No domingo, num jogo pálido em
Vila do Conde, Rodrigo surgiu no lugar exato para empurrar uma bola de golo
oferecida. Depois, os dribles enganadores e em velocidade estonteante
reapareceram e, num instante, era também Lima, que nas palavras do próprio já
andava “engasgado”, que voltava a marcar, para depois marcar de novo.
No Record de ontem,
escrevia-se que “mais de um ano e meio depois, a procura da forma que o
destacava como um dos avançados mais promissores da Europa parece ter chegado
ao fim. O melhor de Rodrigo reapareceu em Bruxelas, confirmou-se em Vila do
Conde, enchendo o campo com vivacidade e objectividade”.
Note-se bem: Rodrigo
e Lima não foram melhorando de jogo para jogo. Pelo contrário. Andavam
engasgados, com a confiança pelas ruas da amargura para, de repente, por força
de um golo decisivo, de uma finta de belo efeito ou de uma bola que saiu com a
direção adequada, readquirirem a vivacidade, a objectividade e o instinto
matador. Ou seja, se quisermos encontrar uma relação de causalidade, não é a
“melhoria dos índices físicos”, “o trabalho na vertente técnico-táctica” ou “a
familiarização com os processos táticos” que devolve um jogador às boas
exibições. É um remate que, com uma forte dose de acaso, encontra o seu lugar
no fundo da baliza que confere sentido a tudo o que um jogador andava a fazer.
Lima e Rodrigo estão
aí para provar que ajuda estar em forma, mas são os remates certeiros e as
fintas que saem que fazem toda a diferença. Bem podem os treinadores dizer que
anteciparam as movimentações do adversário, que esperaram pelo momento certo
para lançar o jogador ou que sabem tudo do impenetrável mundo das tácticas. No
essencial, o futebol é inexplicável e o seu fascínio está nisso mesmo: uma
irracionalidade que se repete ao longo de 90 minutos que somos incapazes de
antecipar ou de prever.
publicado na "Luz Intensa", no Record de ontem
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