"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

quarta-feira, 30 de março de 2016

Aquele Abraço



O que há num abraço?, podemos questionar-nos, após o movimento destemido do jovem que galgou a segurança para ir ter com Renato Sanches ter ficado como a marca do Portugal-Bulgária. Num jogo que tenderia a ficar na memória por um falhanço improvável de Ronaldo, um abraço tão caloroso como infantil tornou-se protagonista central. Faz sentido: aquele abraço teve um simbolismo que supera o ato em si.

Como tem sido dito, o Renato é um enorme talento, mas um projeto de craque, com muito para aprender. Podemos nele vislumbrar sinais de um futuro promissor. Mas não é isso que o diferencia de outros futebolistas. Pelo contrário, Renato Sanches entusiasma por ser um jogador do passado. Uma memória viva do futebol romantizado, jogado em peladinhas desorganizadas no meio da rua, entre carros estacionados e com bolas perdidas para a estrada. A euforia em torno do Renato não é direcionada ao futuro, nem ao que oferece hoje ao Benfica. É um festejo do futebol de ontem.

Depois, não vale a pena fingir que não é assim: o compromisso primordial dos adeptos é com os clubes. A Seleção é o que nos oferecem quando o futebol fica suspenso. A justa paixão dos benfiquistas pelo Renato prolonga-se para lá do Estádio da Luz. A seleção é mais uma oportunidade para celebrá-la.

Poucos têm a sorte de ter 13 anos e vestir uma camisola do Benfica com o mesmo número 24 do Renato. Mas muitos invejaram o Diogo Caleiro quando irrompeu pelo campo adentro para de forma destemperada abraçar o Renato. É que o que chamamos abraço, dado a outro que não ao Renato, não seria tão encantador.

publicado no Record de ontem

quinta-feira, 24 de março de 2016

Venceu o Manel

Todos se recordam quando Jorge Jesus, face à situação de necessidade após a saída de Matic, disse que jogaria o Manel. A afirmação fazia todo o sentido. Uma equipa vencedora depende do talento individual e da existência de um onze base, mas também da capacidade de, na adversidade, a organização coletiva ser capaz de superar as ausências.

Jorge Jesus tinha razão: numa equipa com dinâmica vencedora e com processos enraizados, pode jogar o Manel.

No Bessa, o Benfica enfrentava um teste muito exigente. Com um onze titular com demasiadas baixas, a equipa jogou com vários 'Manéis'. Jogadores que hoje são titulares e dão boa conta do recado eram, no início da temporada, terceiras e quartas escolhas. Aliás, se, em agosto, alguém dissesse que o Benfica estaria a liderar o campeonato por esta altura, com Ederson, Renato Sanches, Lindelöf, André Almeida e Nélson Semedo como titulares e Samaris adaptado a central, ninguém acreditaria.

A vitória sofrida contra o Boavista tem, por isso, vários significados. Por um lado, serve para demonstrar a estrelinha de campeão - sempre necessária nas fases avançadas das temporadas, mas que reflete também determinação e vontade de vencer; por outro, prova que o Benfica, hoje, não depende apenas da qualidade individual de um par de jogadores. Sem Gaitán, é verdade que, uma vez mais, foi Jonas a decidir, mas o que o jogo do Bessa revela é que estamos perante um coletivo personalizado, que vale como um todo. Ora é desta massa que se fazem os campeões.

publicado no Record de terça-feira

quarta-feira, 16 de março de 2016

Perder Cansa



Um amigo meu, que foi desportista de alta competição numa modalidade individual, repete sempre que o que o levou a abandonar o circuito mundial foi já não aguentar perder. Isso mesmo, um cansaço mental que derrotava qualquer esperança. A questão não era física ou técnica. Era de outra natureza.

Lembro-me sempre desta lição quando ouço uma ideia peregrina que tem feito o seu caminho nos últimos tempos: um clube pode ter vantagens caso seja eliminado prematuramente das competições europeias. Perder é benéfico porque, assim como assim, em algum momento é-se eliminado, logo quanto mais cedo melhor. Os defensores desta tese foram ao ponto de sugerir que uma vitória do Benfica contra o Zenit seria vantajosa para Sporting e Porto, pois os encarnados ficariam desgastados fisicamente e sofreriam nos jogos domésticos.

Ontem, na Luz, contra o Tondela, ficou de novo demonstrado o absurdo da teoria. Ganhar é sempre um suplemento de alma que compensa qualquer cansaço. E em fases avançadas de uma competição europeia a asserção é ainda mais verdadeira. Perder é que cansa.

Estar em várias competições ao mesmo tempo tem, contudo, um efeito: complica a vida aos treinadores. Não tanto pelo desgaste provocado nos atletas - para quem as vitórias são um fator de motivação -, mas porque para um técnico é bem mais exigente ter microciclos de treino, em lugar do conforto dos ciclos semanais. Mas essa é também uma diferença entre um clube grande e um pequeno. Nos grandes joga-se sempre para ganhar e as opções competitivas não são condicionadas pelas idiossincrasias dos treinadores.

publicado no Record de terça-feira

sexta-feira, 11 de março de 2016

As roupas do George Martin



um video curto, que ouve as pessoas certas, e que bem podia evoluir para um documentário, vá, de 10 horas. não menos importante, fica a sugestão: o V& A podia fazer uma exposição com as roupas do George Martin à imagem da que foi feita com o Bowie.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Zero Bazófia

No início do Sporting-Benfica, a claque leonina exibiu uma tarja exemplar: num desenho tosco, Bruno Carvalho e Jorge Jesus, vestidos como guerreiros medievais, de espada desembainhada e escudos ao alto, a deitar por terra Luís Filipe Vieira. Por cima, podia ler-se – "isto é o Sporting". Tal e qual.

O simbolismo da tarja é todo um programa. Não falo sequer do mau gosto do exercício ou a cobardia em que assenta uma contenda de dois guerreiros armados contra um peão indefeso. Quando o tema é deslealdade, não alimento ilusões. Por natureza, independentemente dos clubes, as claques são dadas a exercícios grotescos. A questão é outra.

Há, é um facto, um lado irónico na resposta dada em campo aos rugidos de campeão precoces, mas o fundamental nem sequer é isso. O que é revelador são as personagens escolhidas para serem exibidas pelas claques: presidente e treinador. A opção esquece quem são os verdadeiros protagonistas do futebol e promove um culto do presidente que é invariavelmente contraproducente. Num clube, o que conta somos nós, adeptos, e os jogadores. Tudo o resto é secundário. Não por acaso, na Luz, canta-se a glória de Cosme Damião, Eusébio e Coluna, mas a ninguém ocorreria celebrar presidentes.Esta atitude serve, agora, para recordar o essencial. Como bem disse Rui Vitória no final do jogo, "uma das coisas que caracteriza a nação benfiquista é a humildade. E sabermos que ainda há muito campeonato pela frente".

Lembram-se do "bailando"? Uma vez mais, ao Benfica compete fazer diferente do que o Sporting tem feito. Humildade e zero bazófia. Combinado?

publicado no Record de terça-feira

Paul, I have an idea of putting a string quartet on the record


o depoimento de Paul sobre George Martin.

quarta-feira, 2 de março de 2016

e os adeptos?

Por motivos meteorológicos, esta crónica não é sobre o Benfica-União. A razão é simples: à hora para a qual o jogo foi remarcado, o autor destas linhas estava a dar aulas. Mas não podendo escrever sobre o Benfica, ganhei um bom pretexto para me dedicar ao calendário da Liga e à incapacidade de se proceder à marcação dos jogos com um mínimo de antecedência.

Nesta altura, sabemos a que horas são os jogos da próxima jornada, mas nada é conhecido sobre a seguinte (disputada a 13 de março). É mais um daqueles absurdos em que o futebol português é vezeiro e um desrespeito pelos (poucos) adeptos que escolhem ir ao estádio, em lugar de verem futebol televisionado.

Pense-se num adepto dos três grandes, que gostava mesmo de poder assistir a todos os jogos do seu clube. Se tem esse objetivo, resta-lhe trancar todos os fins de semana e rezar para que ninguém se lembre de marcar aquele almoço de família a que não pode mesmo faltar. É que nunca se sabe se o jogo vai ser à sexta, sábado, domingo ou até segunda-feira. Muito menos a hora certa. É uma lotaria.

Não há nada de específico no futebol português que impeça alguma planificação, que permita aos adeptos organizarem-se para irem aos estádios. Compare-se com o bem mais complexo calendário da NBA (mais equipas, distâncias maiores, mais intempéries e mais canais a transmitirem partidas). Neste caso, é possível saber dia e hora exata de todas as partidas até ao fim da fase regular.

Talvez fizesse sentido criar um provedor do adepto para defender quem gosta de futebol. Esperem, o cargo já existe e, como seria de esperar, ninguém dá pela sua existência.

publicado no Record de terça-feira