"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A vida que sonhei



No meio de arrumações, encontrei um recorte de jornal de 1985 com uma longa entrevista ao Diamantino, ilustrada por uma fotografia de um jovem adepto a pedir-lhe um autógrafo. Tenho boas razões para guardar com cuidado religioso aquelas páginas amareladas. O Diamantino é responsável por alguns dos meus primeiros momentos de felicidade absoluta.

Se, em algum momento, tenho uma ligeira hesitação em relação ao meu benfiquismo ou, o que acaba por ser a mesma coisa, suspendo, por instantes, a paixão pelo futebol, logo recorro à memória bem definida de um par de jogadas formativas. Em muitas delas, surge um jogador de técnica destilada e com a arrogância só acessível àqueles que têm uma classe superlativa. Quando fecho os olhos, sou capaz de recordar a memória vivida de um Benfica-Porto em que o Diamantino, de tanto fintar o pobre do Laureta, o deixou sentado no chão.

Há uns tempos, um bom amigo comum, o Manolo Bello, apresentou-me o Diamantino, e eu, reduzido à condição de adepto, não queria acreditar que o meu ídolo de infância sabia quem eu era e que a altivez que exibia em campo coexistia com um homem simples.

Mas não se iludam. Não é por ser, hoje, amigo do Diamantino que o vejo à minha imagem. Pelo contrário, o Diamante Vermelho continua a ser a medida de todas as coisas. Posso bem comentar os superiores assuntos da política, dar aulas na universidade ou fazer outras coisas às quais se atribui, por erro de avaliação, alguma grandeza. Aconteça o que acontecer, eu serei apenas um tipo que falhou no essencial, enquanto ele será sempre o Diamantino, que esbanjou classe no Benfica e marcou golos sem fim com a camisola do Glorioso. Na verdade, o Diamantino é a corporização da vida com a qual sonhei quando era criança. Tudo o resto que eu faça, é apenas porque não pude ser jogador de futebol no meu Benfica. Essa grandeza que me está vedada é a matéria de que é feita a vida do Diamantino.

Já agora, o miúdo fotografado a pedir um autógrafo ao seu ídolo, à porta de um treino, no velho Estádio da Luz, nessa velha página de jornal, é o autor destas linhas. 

(uma versão editada deste texto foi publicada no Record de ontem)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O Pós-Enzo



Após um "tiro no porta-aviões" dado pelo Braga e uma vitória com uma exibição sofrível face a um adversário medíocre, talvez valha a pena refletir sobre o que será o Benfica pós-Enzo. Até ver, as alternativas ao argentino para a posição 8 têm sido, para ser generoso, remediadas.

Talvez a questão se prenda mesmo com a posição 8. No modelo de Jesus, estamos a falar de um lugar muito exigente, onde participação nos momentos de organização ofensiva tem de estar articulada com grande intensidade nas transições defensivas. O número 8 do Benfica de Jesus é um autêntico pêndulo: está sempre presente a atacar e também a defender. Quer táctica, quer técnica, quer fisicamente, jogar naquele lugar está ao alcance de poucos. Na verdade, nos anos de Jesus, só Enzo e Witsel o fizeram com mestria (no primeiro ano, as circunstâncias eram diferentes, pois Ramires oferecia um grande equilíbrio à equipa desde as alas).

O que fazer agora? Se bem se percebe, o próprio Jesus parece hesitar. Quando parecia que Pizzi seria a alternativa ao argentino, recuperou a solução Talisca. A questão é que nenhum dos dois é, nem poderá ser, um clone de Enzo e todas as alternativas obrigarão o Benfica a mudar o seu sistema.


É mesmo caso para afirmar, parafraseando Jesus sobre Matic, que "para render Enzo, só nascendo dez vezes". Com uma agravante, Enzo é um jogador mais influente e determinante do que era Matic (o que não quer dizer que seja melhor jogador do que o sérvio).

Na impossibilidade de contratar um jogador de classe e maturidade, talvez seja preferível encontrar um modelo mais flexível, onde a equipa se adapte também ao perfil dos jogadores do plantel, em lugar de se forçar jogadores a serem o que não são. No fim, sobra uma certeza: uma vez mais, o caminho para o título dependerá da competência do treinador para ultrapassar dificuldades.


publicado no Record de ontem.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Antes e Depois


Há um antes e um depois do clássico de Domingo. Basta que se recupere um pouco do que se dizia até ao jogo e o que se pode hoje afirmar. No lançamento da partida, era voz corrente que, superada a inexplicável rotatividade dos titulares e a fase de adaptação de jogadores e treinador ao futebol português, o FC Porto estava num crescendo de forma e que a pressão estaria toda do lado do Benfica.

Afinal, apesar de liderar, o Glorioso soçobraria no Dragão face a um FC Porto com mais talentos individuais. Mais: era-nos dito que a equipa de Jesus, não podendo pôr em prática o carrossel atacante que está na base do seu modelo de jogo, tinha invariavelmente dificuldades em gerir as partidas contra equipas mais fortes, como ficara visível nos jogos da Champions. No fundo, o Benfica sairia derrotado do Dragão e a liderança do campeonato era sol de pouca dura. Viu-se.  Contra todas as expectativas, o Benfica venceu e, mais importante, fê-lo com uma exibição incomum. 

Quase tão importante como ter vencido, foi tê-lo feito contrariando a asserção que parecia mais sólida em relação ao modelo de jogo de Jesus: o Benfica é incapaz de controlar um jogo, ocupando espaços sem posse de bola. Ora o que se viu no Dragão foi uma equipa muito competente, a fazer pressão alta, com uma defesa subida (uma manobra de risco face ao talento individual dos portistas) e com uma organização coletiva notável nos (muitos) momentos em que não teve bola.


É evidente que nada disto seria possível sem talento individual, mas foi claramente mais importante a forma como cada jogador (mesmo um artista como Gaitán) soube participar nas tarefas da equipa. E é também nisso que reside a grande diferença entre Benfica e FC Porto. Enquanto o Benfica tem um modelo e uma organização de jogo que condicionam o lugar de cada jogador; o FC Porto que tem talentos de sobra para formar uma superequipa, continua a não funcionar enquanto tal. Como é sabido, são as equipas que ganham campeonatos. 
















publicado no Record de terça-feira

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Os 10 melhores discos de 2014

A minha escolha dos 10 melhores discos de 2014 pode ser vista aqui e escutada aqui.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

E serve para quê?


Este fim-de-semana, Benfica, FC Porto e Sporting tiveram passeios no campeonato. Foi assim nesta jornada e o mesmo ocorrerá muitas vezes até ao final da temporada. As equipas pequenas limitam-se a resistir, não procuram jogar futebol e, contra os grandes, o máximo que ambicionam é esperar que, estacionando um autocarro em frente à área, sejam capazes de não sofrer golos. Até aqui, nada de novo: o desequilíbrio é a marca do campeonato português. 


O que é novo é que o fosso entre os três grandes e mais uma mão-cheia de clubes capazes de jogar futebol e as restantes equipas cresceu. Doze jornadas cumpridas, há sete clubes que têm menos do que oito golos marcados e menos pontos do que jogos disputados - ou seja, são incapazes de pontuar mesmo contra clubes do "seu campeonato". Com a ideia peregrina de termos um campeonato com 18 equipas, o nivelamento por baixo passou a ser a regra. A 1.ª Liga tem demasiados clubes que praticam um futebol medíocre, não formam jogadores e não têm adeptos nos estádios. Ou seja, não cumprem nenhum dos requisitos necessários para disputar um campeonato profissional. Servem exatamente para quê estas equipas na 1.ª Liga?

O problema é que a presença na 1.ª Liga destes clubes tem um efeito negativo sobre todo o futebol português. Desde logo porque torna-o menos atrativo para jovens estrangeiros de qualidade (que Benfica e FC Porto têm sabido contratar e valorizar nos últimos anos); depois porque enquanto os grandes se arrastam em jogos desinteressantes, mas fisicamente desgastantes, a sua capacidade de ir longe nas provas europeias diminui. Finalmente porque Benfica, FC Porto e até Sporting, ao esmagarem clubes que, há uns anos, teriam dificuldades na Divisão de Honra, alimentam a ilusão de que são equipas fortes. Infelizmente, com uma Liga com 18 clubes, o futebol português será cada vez mais fraco na Europa.

publicado no Record de terça-feira

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Bye-Bye Europa


Depois de ter estado uns tempos em banho-maria, regressou em força a ideia de que o Benfica de Jesus não tem dimensão europeia. Bem sei que a relação dos adeptos com o futebol é ciclotímica: variando entre a euforia e a depressão profunda. Mas convém, de quando em vez, racionalizar e colocar as coisas em perspetiva.

É uma evidência que a participação na Champions este ano alternou entre o medíocre e o sofrível. O Benfica podia e devia ter feito melhor. Apesar de estar num grupo muito equilibrado, pelo menos Zenit e Mónaco são equipas ao alcance do Glorioso. Mais: os sinais dados pelo treinador, nomeadamente em Leverkusen, indiciaram um desinvestimento na competição que teve consequências. Mas daí a concluir que o Benfica dos últimos anos não tem tido pedalada para as noites europeias vai um passo de gigante.


Talvez valha a pena avivar a memória de alguns. Num passado não muito distante o Benfica nem sequer se apurava para a Champions (não sei se têm presente, mas nas 5 últimas temporadas o Benfica esteve sempre presente na fase de grupos). Depois, em dois anos fizemos duas finais da Liga Europa – há 24 anos que não marcávamos presença numa final europeia. E, claro está, por muitas contratações que tenham sido feitas – e este ano estão ainda por justificar os investimentos avultados em Samaris e Cristante, já para não falar de Bebé, Benito e César –, nos palcos europeus os orçamentos contam. Se olharmos para a folha salarial do Benfica e a compararmos com a de outros clubes europeus, talvez se perceba melhor a diferença competitiva.

O problema do Benfica não é ter ficado de fora da Europa em Dezembro. Aliás, com menos jogos para disputar, pode ser uma equipa bem mais forte no campeonato. O que é motivo de preocupação é que, ao dizer adeus à Europa, o Benfica pode estar a dizer adeus a jogadores fundamentais, já em janeiro.

publicado esta semana no Record.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Nick Drake – um desconhecido entre nós


“if songs were lines in a conversation/the situation would be fine”.

                        Hazey Jane II


25 de Novembro de 1974. Em Tanworth-in-Arden, uma pequena vila nas midlands britânicas, morria aos 26 anos Nick Drake. Com uma existência reclusa, sem reconhecimento em vida, deixou um legado mais influente do que popular. Quarenta anos passados da sua morte, não é possível compreender a folk das últimas décadas sem escutar a sua música.

Ao contrário de outros génios musicais atormentados, desaparecidos tragicamente antes dos 30 anos, não há registos filmados de Drake, são escassas as gravações áudio e quase inexistentes os depoimentos. Tudo o que resta para o recordar é um conjunto de fotografias, relatos de amigos e familiares e a sua música. Mas, mesmo essa, limita-se a duas horas, divididas entre 31 canções, repartidas por três álbuns, lançados entre os 20 e os 24 anos de idade. O culto em torno de Drake baseia-se, por isso, numa combinação entre o reconhecimento da sua voz única e o mistério em torno de alguém que permanece um desconhecido.

É tentador ver a música de Drake como uma demorada nota de suicídio. Há, de facto, uma dimensão de fatalismo em tudo o que fez. Fruit Tree, uma das canções do seu primeiro disco, pode ser lida como uma profecia que se autorrealiza (Forgotten while you’re here/remembered for a while/they’ll all know/that you were here when you’re gone). Mas Drake não pode ser reduzido a um “Santo Padroeiro dos deprimidos”, como por vezes é sugerido. Tirando o período posterior à gravação de Pink Moon, em que esteve internado em instituições psiquiátricas, a sua timidez e introspeção não significavam que estava enredado na depressão que haveria de o fazer desistir da vida. As próprias letras das suas canções, se bem que repletas de alusões depressivas, deixavam também entrever fogachos de luz, num contraclamor. Como recorda o seu produtor Joe Boyd, “Drake sofria de depressão, mas a sua música não era função dessa depressão”.


Criador de uma folk idiossincrática, musicalmente é a expressão de uma contradição: um conservador radicalmente inovador. Quando lançou o seu primeiro disco, em 1969, Dylan tinha entrado na fase eléctrica e Tim Buckley abraçado uma folk de pendor psicadélico (para referir duas das suas grandes influências). Drake manter-se-ia preso a uma visão tradicionalista, fixando uma leitura britânica da folk. O seu conservadorismo não deve ser confundido com um olhar estático e não o impediu de ser um radical – na forma como combinou um cantar quase respirado, sem vibrato, de uma fragilidade que parece a ponto de se quebrar, com um dedilhar de guitarra complexo, num compasso atípico, por cima de uma capacidade lírica que parecia encerrar toda a tristeza do mundo. Na Pitchfork, Jayson Green definiu-o como “dolorosamente inglês”. Talvez seja essa a marca mais profunda da sua música – um cântico de além-memória que se encadeia na paisagem bucólica da Inglaterra rural.


Nick Drake é um produto do seu meio e do seu tempo e o epítome da cultura posh britânica de tendências artísticas. Nascido num dos pontos mais longínquos do Império, na Birmânia, onde o seu pai trabalhava, mudar-se-ia para o Reino Unido aos seis anos, vivendo num ambiente rural, com todos os confortos, numa família com particular sensibilidade cultural (o talento musical tê-lo-á herdado da mãe, também ela cantora e escritora de canções, e a sua irmã foi uma actriz reconhecida – aliás, Nick foi muito tempo “o irmão de Gabrielle Drake”). Esse ambiente familiar está bem retratado em Family Tree, registo editado em 2007, onde se escutam pequenas experiências musicais em família, que antecipam a sua sonoridade.

Foi enquanto estudante universitário de literatura inglesa que a sua identidade criativa se revelou. Em Cambridge viveu dividido entre os círculos de classe média alta a que pertencia e o universo de contracultura que começava a ganhar espaço e encontrou na poesia mística de Blake e Yeats o mesmo espelho do universo pastoral que lhe era familiar. Chegou a partilhar uma banda com Chris de Burgh e um sobrinho neto de John Maynard Keynes, os Perfumed Gardeners, mas foi a solo que consolidou a combinação singular de um dedilhar único da guitarra com uma voz recolhida e profunda.

Estudante cada vez mais relapso, trocaria Cambridge pelo circuito de bares londrinos, onde seria descoberto por um dos membros dos Fairport Convention e apresentado ao produtor Joe Boyd (que se tornaria colaborador permanente e um conservador do seu legado). Com 20 anos, grava o seu primeiro disco e, para surpresa dos músicos consagrados que o acompanham em estúdio (entre eles, Richard Thompson), impõe a presença do seu colega de faculdade e amigo, Robert Kirby, que fica responsável pelos arranjos. Kirby é quem cria as texturas sonoras que, muitas das vezes, funcionam como uma contra-melodia para a guitarra e a voz de Drake. Five Leaves Left, lançado em 1969, era ao mesmo tempo um disco de estreia e a obra muito inovadora de um autor com maturidade. Uma estreia promissora que anunciava uma carreira de glória.


Começam também aí os problemas psicológicos. Desconfortável em palco, incapaz de dar entrevistas ou participar em ações promocionais, as vendas do disco de estreia revelam-se medíocres. Regressa, no entanto, a estúdio para gravar Bryter Layter. De novo acompanhado por um conjunto de parceiros notáveis – entre eles, um multi-instrumentista galês, acabado de regressar de Nova Iorque, onde tinha mudado a face da música de vanguarda e o rock alternativo. Com John Cale grava duas faixas e tem uma ajuda preciosa na complexificação da sua sonoridade, audível, em particular, em Northern Sky. Uma vez mais, um disco que tinha tudo para dar certo, não vende. Segue-se, em 1972, Pink Moon, um álbum ainda mais curto do que os anteriores, fruto de uma sessão de estúdio rápida e a solo e que tem a curiosidade de ter sido parcialmente escrito em Portugal, durante a estadia em casa do seu editor, Chris Blackwell, fundador da Island Records.


A sua situação material degrada-se e retorna a Far Leys, a casa dos pais. No regresso, leva com ele todas as promessas por cumprir. Havia vendido pouco mais de 15 mil discos e a sua vida parece, cada vez mais, decalcada das experiências mentais e pessoais dos grandes autores do romantismo. Uma sensibilidade extrema, uma inclinação para a introspeção, muitas das vezes tomada como misantropismo, mas que no fundo revelava uma capacidade única de observar, e o falhanço em vida. A sua irmã conta que ele se tornou “mais silencioso à medida que viu mais” e uma amiga próxima, Lady Victoria Waymouth, descreve-o como, “a pessoa mais espectral que alguma vez conheci”.

O Drake atormentado por dilemas existenciais, ensombrado por uma depressão crescente, que hoje conhecemos, é o desse período. A mãe, Molly Drake, classifica a sua retirada lenta como uma “rejeição do mundo”. Joe Boyd sustenta, no entanto, que, no final da sua vida, Drake vivia também uma insatisfação com o falhanço comercial. Inicia-se, então, uma espiral de degradação, que assume contornos físicos. Enclausurado em casa, torna-se monossilábico, não comunica e começa a depender de antidepressivos.

No verão de 1974, regressa a Londres para uma última sessão de estúdio, do que poderia ter sido o seu quarto álbum de originais. Por essa altura é incapaz de tocar guitarra e cantar ao mesmo tempo. Dessa sessão, sobrariam quatro canções, onde se entrevê ainda o toque de génio. Entre estas, Black Eyed Dog, inspirada na descrição de Churchill para as depressões.

Ao contrário de outros mitos da música contemporânea, desaparecidos precocemente, não resta nada por editar do espólio de Drake – não há bootlegs, nem registos ao vivo, muito menos colaborações mitificadas. Tuck Box, lançado este ano, encerra o mundo das reedições: a discografia completa, remasterizada, dentro de uma caixa que é uma réplica da que a sua mãe utilizava para enviar bolos semanalmente para o filho, então interno no Marlborough College.

É poderoso o mito do rapaz nascido em berço dourado enredado numa depressão e que deixou uma obra promissora e não reconhecida em vida. Drake foi, nessa medida, um herói romântico dos nossos dias. Mas, por si só, essa reminiscência do romantismo não seria suficiente para explicar a atualidade do seu legado musical. Na sua toada lenta e cantar delicado, manifesta-se uma confissão profunda das coisas primeiras, capaz de cruzar, no seu dramatismo existencial, o universal com o singular, como só a melhor arte consegue. Como defende o crítico musical Ian MacDonald no seu ensaio seminal, Exiled from Heaven, a música de Drake reaproxima-nos de partes de nós que a vida moderna tende a erodir.
Preso às tormentas da passagem para a vida adulta, o que perdura é a memória de um rapaz que se deixaria levar por uma dose excessiva de antidepressivos, na noite de 25 de Novembro de 1974. Drake viveu isolado e morreu sozinho, em casa dos pais, demonstrando que ninguém é capaz de proteger ninguém do sofrimento.
(publicado no Atual do Expresso de 29 de Novembro. A zona de conforto de 21 de Novembro foi dedicada em exclusivo a Nick Drake e pode ser escutada aqui)