O Governo é um pouco como o
país, tem variações de espírito e um registo ciclotímico. No fundo, tem dias e
vai mudando o discurso ao sabor dos humores e sem que se vislumbre uma
estratégia estável. Nas últimas semanas, o Governo tem tido vários dias.
Depois de ter apresentado um
“memorando” para o crescimento, com direito a mais um dos vários Conselhos de
Ministros das últimas semanas, logo apresentou um Documento de Estratégia Orçamental
que reconhece, de facto, a irrelevância da própria estratégia para fomentar a
economia. Só assim se explica que o cenário macroeconómico do DEO não reflita as
medidas que, entusiasticamente, o próprio ministro da economia apresentou dias
antes. Se o Governo não leva a sério as suas próprias propostas, há alguma
razão para os portugueses o fazerem?
Também o que o Governo nos
diz sobre estratégia orçamental tem dias. Ao terceiro DEO, as previsões para
2013 do mui competente ministro das Finanças já variaram entre um crescimento
robusto de 1,2% para a atual recessão de 2,3%. Estamos perante uma variação de,
imagine-se, quase 300%. Se pensarmos também nos números para a dívida ou para o
desemprego, é caso para dizer que o que o Governo nos diz é meramente
indicativo e, como a realidade revelará, não deve mesmo ser levado a sério.
É por isso
inquietante que, neste contexto, o primeiro-ministro, fechado numa sala de
hotel com quatro dezenas de pessoas, apele à assinatura de um novo acordo de
concertação social envolvendo os parceiros sociais. Não apenas porque há um
acordo em vigor, que já foi violado pelo próprio Governo, (colocando a UGT numa
situação difícil), como já foram feitas revisões do memorando, com relevância
para o mundo sindical, sem que as confederações tenham sido ouvidas. Há alguma
razão para acreditarmos que, desta vez, será diferente?
Tanto não há que o
próprio Governo, depois de apostar no crescimento, regressou rapidamente à
austeridade sem limites e sexta-feira à noite apresentou as medidas que dão
corpo aos cortes que, primeiro, eram de 4.000 milhões e que, agora, já vão nos
6.000 milhões. Como bem sabemos, quando o exercício orçamental voltar a falhar,
o monstro austero exigirá novos cortes, desta feita, se tal é possível, ainda
mais violentos. E onde é que incidem os cortes? Nas pensões e nos salários dos
funcionários públicos.
Como resulta claro, o
Governo não está interessado em nenhuma estratégia negocial, procura apenas uma
caução póstuma dos parceiros sociais para a sua estratégia suicida. Um acordo
de concertação não é, afinal, mais do que um apelo para que os parceiros
sociais se juntem à espiral recessiva para a qual nos empurra o executivo
liderado por Vítor “não fui eleito coisíssima nenhuma” Gaspar. Não é, por isso,
irrelevante que as medidas anunciadas o tenham sido unilateralmente,
contrariando a natureza negociada das últimas reformas na segurança social. Não
está mal, para quem, dois dias antes, se declarava empenhado em promover a
concertação.
Na verdade, faz
sentido que o Governo tenha dias. Afinal, nem no interior do Conselho de
Ministros é possível chegar a acordo sobre o que quer que seja.