"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

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sexta-feira, 3 de maio de 2013

Tem dias


O Governo é um pouco como o país, tem variações de espírito e um registo ciclotímico. No fundo, tem dias e vai mudando o discurso ao sabor dos humores e sem que se vislumbre uma estratégia estável. Nas últimas semanas, o Governo tem tido vários dias.
Depois de ter apresentado um “memorando” para o crescimento, com direito a mais um dos vários Conselhos de Ministros das últimas semanas, logo apresentou um Documento de Estratégia Orçamental que reconhece, de facto, a irrelevância da própria estratégia para fomentar a economia. Só assim se explica que o cenário macroeconómico do DEO não reflita as medidas que, entusiasticamente, o próprio ministro da economia apresentou dias antes. Se o Governo não leva a sério as suas próprias propostas, há alguma razão para os portugueses o fazerem?
Também o que o Governo nos diz sobre estratégia orçamental tem dias. Ao terceiro DEO, as previsões para 2013 do mui competente ministro das Finanças já variaram entre um crescimento robusto de 1,2% para a atual recessão de 2,3%. Estamos perante uma variação de, imagine-se, quase 300%. Se pensarmos também nos números para a dívida ou para o desemprego, é caso para dizer que o que o Governo nos diz é meramente indicativo e, como a realidade revelará, não deve mesmo ser levado a sério.
É por isso inquietante que, neste contexto, o primeiro-ministro, fechado numa sala de hotel com quatro dezenas de pessoas, apele à assinatura de um novo acordo de concertação social envolvendo os parceiros sociais. Não apenas porque há um acordo em vigor, que já foi violado pelo próprio Governo, (colocando a UGT numa situação difícil), como já foram feitas revisões do memorando, com relevância para o mundo sindical, sem que as confederações tenham sido ouvidas. Há alguma razão para acreditarmos que, desta vez, será diferente?
Tanto não há que o próprio Governo, depois de apostar no crescimento, regressou rapidamente à austeridade sem limites e sexta-feira à noite apresentou as medidas que dão corpo aos cortes que, primeiro, eram de 4.000 milhões e que, agora, já vão nos 6.000 milhões. Como bem sabemos, quando o exercício orçamental voltar a falhar, o monstro austero exigirá novos cortes, desta feita, se tal é possível, ainda mais violentos. E onde é que incidem os cortes? Nas pensões e nos salários dos funcionários públicos.
Como resulta claro, o Governo não está interessado em nenhuma estratégia negocial, procura apenas uma caução póstuma dos parceiros sociais para a sua estratégia suicida. Um acordo de concertação não é, afinal, mais do que um apelo para que os parceiros sociais se juntem à espiral recessiva para a qual nos empurra o executivo liderado por Vítor “não fui eleito coisíssima nenhuma” Gaspar. Não é, por isso, irrelevante que as medidas anunciadas o tenham sido unilateralmente, contrariando a natureza negociada das últimas reformas na segurança social. Não está mal, para quem, dois dias antes, se declarava empenhado em promover a concertação.
Na verdade, faz sentido que o Governo tenha dias. Afinal, nem no interior do Conselho de Ministros é possível chegar a acordo sobre o que quer que seja.

 (isto de declarações ao país às 20 horas de sexta-feira não é compaginável com o fecho da opinião no Expresso. Este é o texto que poderia sair amanhã. Fica aqui)