"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Aimar, ficas (para sempre)



Agora que o trauma do minuto 92 foi superado, há outro que ficou do final da época passada que ainda me persegue: não ter tido oportunidade de me despedir de Pablo Aimar. Morrer na praia doeu e dói muito, mas a forma como Aimar nos deixou foi não menos dolorosa.
Em três décadas que levo de paixão, sofrimento e imensas alegrias nas bancadas, contam-se pelos dedos da mão os artistas que vi com a camisola do Benfica. Artistas verdadeiros, predestinados capazes de, por arte mágica, fazer a jogada imprevisível, de transformar a bola numa outra coisa quando lhes chega aos pés. Vi muitos jogadores excelentes, outros briosos e ainda alguns com lampejos de classe. Artistas mesmo só sou capaz de enumerar quatro: Chalana, Diamantino, Rui Costa e Pablo Aimar.
O cineasta John Ford recomendava em “O homem que matou Liberty Valance” que “quando a lenda se torna verdade, devemos reproduzir a lenda”. O cinema do realizador norte-americano é feito de filmes grandiloquentes, cheios de espaços abertos e de personagens maiores do que a vida, de lendas. O futebol de Aimar é feito da mesma matéria com que se fazem as lendas – toques de poesia concreta, lirismo a pairar sobre a relva e emoção arrebatadora. A memória que fica do “passe de letra” para Suazo em Guimarães, a harmonia perfeita das triangulações com Saviola e uma inteligência superior no modo como pensava o jogo superam qualquer verdade factual (a permanente debilidade física) e fazem do argentino uma lenda.
Mesmo no meio da tragédia épica que foi o final da época passada, um artista assim devia ter tido uma despedida condigna. No mínimo, devia ter jogado alguns minutos na derradeira partida do campeonato, com o Moreirense, para que o estádio tivesse podido aplaudi-lo reverencialmente e em uníssono. Que isso não tenha acontecido e que tenha sido depois lançado nos minutos finais de uma equipa que naufragava no Jamor não foi um ato à imagem da grandeza que esperamos do Glorioso.
Não tendo podido agradecer-te no Estádio, Pablo Aimar, quero que saibas que falo por milhões de benfiquistas quando digo: Aimar, ficas. Para sempre.

publicado na coluna "Luz Intensa" do Record há umas semanas.

adenda: agora com um abraço ao António e com a foto que inspirou inicialmente o texto.