Agora que o trauma do minuto 92 foi superado,
há outro que ficou do final da época passada que ainda me persegue: não ter
tido oportunidade de me despedir de Pablo Aimar. Morrer na praia doeu e dói
muito, mas a forma como Aimar nos deixou foi não menos dolorosa.
Em três décadas que levo de paixão, sofrimento
e imensas alegrias nas bancadas, contam-se pelos dedos da mão os artistas que
vi com a camisola do Benfica. Artistas verdadeiros, predestinados capazes de,
por arte mágica, fazer a jogada imprevisível, de transformar a bola numa outra
coisa quando lhes chega aos pés. Vi muitos jogadores excelentes, outros briosos
e ainda alguns com lampejos de classe. Artistas mesmo só sou capaz de enumerar
quatro: Chalana, Diamantino, Rui Costa e Pablo Aimar.
O cineasta John Ford recomendava em “O homem
que matou Liberty Valance” que “quando a lenda se torna verdade, devemos
reproduzir a lenda”. O cinema do realizador norte-americano é feito de filmes
grandiloquentes, cheios de espaços abertos e de personagens maiores do que a
vida, de lendas. O futebol de Aimar é feito da mesma matéria com que se fazem
as lendas – toques de poesia concreta, lirismo a pairar sobre a relva e emoção
arrebatadora. A memória que fica do “passe de letra” para Suazo em Guimarães, a
harmonia perfeita das triangulações com Saviola e uma inteligência superior no
modo como pensava o jogo superam qualquer verdade factual (a permanente
debilidade física) e fazem do argentino uma lenda.
Mesmo no meio da tragédia épica que foi o final
da época passada, um artista assim devia ter tido uma despedida condigna. No
mínimo, devia ter jogado alguns minutos na derradeira partida do campeonato,
com o Moreirense, para que o estádio tivesse podido aplaudi-lo reverencialmente
e em uníssono. Que isso não tenha acontecido e que tenha sido depois lançado
nos minutos finais de uma equipa que naufragava no Jamor não foi um ato à
imagem da grandeza que esperamos do Glorioso.
Não tendo podido agradecer-te no Estádio, Pablo
Aimar, quero que saibas que falo por milhões de benfiquistas quando digo:
Aimar, ficas. Para sempre.
publicado na coluna "Luz Intensa" do Record há umas semanas.
adenda: agora com um abraço ao António e com a foto que inspirou inicialmente o texto.
adenda: agora com um abraço ao António e com a foto que inspirou inicialmente o texto.