Há um sem número de tentativas
para explicar o fascínio que o futebol exerce, mas a mais conseguida de todas é
do escritor Javier Marías. Para este madrileno, o futebol é uma “recuperação
semanal da infância”. Sentados na bancada, somos, a um tempo, “selvagens e
sentimentais” – devolvidos a um contentamento desprovido de racionalidade, como
aquele que só se conhece em criança.
Não por acaso, não se
descobre a paixão pelo futebol na vida adulta. Pode haver quem construa uma
relação com um clube já de “barba feita” e seja capaz de decorar burocraticamente nomes
de jogadores e esquemas tácticos. Tudo isso é possível. Mas, peço desculpa, de
futebol ou se aprende a gostar em criança ou então está-se condenado a um
estatuto de curioso. E um curioso é alguém capaz de se distanciar
emocionalmente do jogo e, mais importante, da camisola do seu clube. Um curioso
pode apreciar futebol e chega a entusiasmar-se com a seleção; um adepto tem uma
fixação, que se sobrepõe a tudo o resto, no seu clube.
Como observou Marías,
“o futebol é das poucas coisas que me fazem reagir hoje em dia da mesma maneira
que reagia quando tinha dez anos e era um selvagem”. Ninguém tem dúvidas que a
forma como vamos olhando para tudo na vida vai mudando com o passar dos anos. O
mesmo não acontece com o futebol. Falo por mim: em nenhum outro lugar regresso
ao olhar ingénuo que, em criança, tinha da vida como quando vejo o Benfica no
Estádio da Luz.
As peregrinações
dominicais para ver o Glorioso eram vividas com uma transcendência religiosa,
mas nada se comparava a uma noite europeia. Para a criança que recupero,
semanalmente, nos jogos do Benfica, os jogos da UEFA eram momentos únicos de
celebração de uma paixão incondicional.
Sei, por isso, que,
hoje à noite, vou sentir uma ansiedade sôfrega quando me sentar no meu lugar no
Estádio. Espero que os jogadores, quando pisarem o relvado, sintam a mesma
emoção. Podem ter muita cultura táctica e jogadas de laboratório, mas, para em
Maio ganharmos a Champions no nosso Estádio, precisamos de onze crianças com
uma crença irracional no Benfica.
o meu artigo de ontem na "Luz Intensa" do Record