Com uma lucidez exata, o
poeta Ruy Belo disse um dia que “Fernando Pessoa nunca seria conhecido por
tanta gente como Eusébio”, para logo acrescentar que “achava bem”. Numa curta
resposta numa entrevista, Ruy Belo, que é juntamente com Pessoa o nome maior da
poesia portuguesa do século XX, mas era, em igual medida, um benfiquista
apaixonado, esclarecia o ponto: “a poesia é por natureza difícil. Como o
futebol. (mas no futebol encontramos) o êxito.”
Faz sentido colocar lado a
lado duas artes maiores: a poesia e o futebol. Nas duas, entrevemos a mesma
capacidade de tornar simples o complexo. Há numa partida de futebol demasiadas
variáveis e obstáculos que aparentam ser intransponíveis, e o segredo está em
saber simplificar o jogo. Um grande jogador é isso que faz: encontra escapes
fáceis, que nenhum outro foi capaz de vislumbrar. O propósito da poesia não é
diferente, através de palavras concretas, atentas ao pormenor, revelar-nos
resquícios da verdade. Em poucos sítios como no futebol e na poesia podemos avistar
uma glória absoluta.
Eu nunca vi Eusébio jogar,
mas é como se o tivesse visto. Sei bem o que uma jogada deslumbrante, uma
cavalgada monumental, com uma força que parecia estranha a todos os outros, ou
um remate explosivo, podem fazer pela revelação da verdade. Sei, por isso, que
um grande jogador em nada se distingue de um grande poeta. Sei que há tanta
verdade nos dribles serpenteantes do Maradona como nas palavras enigmáticas de
Borges; na perfeição clássica de Pelé como na afinação suprema da voz de João
Gilberto; na altivez superior de Beckenbauer como no romantismo da poesia de
Goethe. A diferença está, como bem notou Ruy Belo, que um poeta terá menos
possibilidade de alcançar o êxito, revelar essa verdade a um maior número de
pessoas.
Eusébio aproximou-nos a
todos nós, portugueses, por escassos instantes, com os seus golos, um pouco
mais do absoluto. É essa a matéria de que são feitos os génios. Como é sabido,
não se repetem, mas é também o que lhes oferece a eternidade.
publicado no Record de hoje