Deixem-me, a propósito do Benfica-Porto, recuperar a
explicação do escritor britânico Martim Amis para o fascínio exercido pelo
futebol: “é o único desporto que, normalmente, se decide por um golo, por isso
a pressão do momento é mais intensa do que em qualquer outra modalidade”. Os
jogos discutem-se numa lenta monotonia, organizada e por vezes de pendor
burocrático – médios que pautam o ritmo do jogo, outros, com cultura táctica,
que conferem disciplina nos “processos defensivos” – mas não fora os momentos de
desorganização, em que o sentido que os treinadores deram à equipa se perde, os
estádios estariam vazios.
Lazar Markovic. Ninguém que sinta a paixão pelo futebol
precisou de ver mais do que dois minutos do sérvio com uma bola nos pés para
logo ter a certeza que estávamos perante a matéria de que se fazem os sonhos
dos adeptos. A bola como prolongamento de um corpo ziguezagueante e uma
aproximação romântica a cada jogada. Com o jovem sérvio não há nunca terceira
via – a opção é irremediavelmente entre uma perda de bola incompreensível,
seguida de um baixar de braços, como se estivesse a gerir uma derrota
individual, ou uma arrancada de génio, daquelas que ninguém sentado na bancada
foi capaz de antecipar.
Um instante pode ser mesmo a eternidade e dura no tempo quem
tudo apostou no momento. Quando, aos 13 minutos de jogo, vi Markovic, com
elegância principesca, a cavalgar pelo centro do terreno, com os jogadores
adversários a desabarem à sua passagem, tive a certeza que o Benfica estava a
construir a sua vitória, mas mais certo fiquei de que, passados uns anos, não
guardarei memória do resto do jogo, mas aquele momento, feito de rasgo de
talento, perdurará para sempre nas minhas recordações.
Nota:
O Benfica dos últimos anos foi irrepreensível com Eusébio. Em vida e na última
semana, o Rei teve todas as homenagens devidas e muitas mais terá para honrar a
sua memória. Mas os gostos discutem-se e a estátua de Eusébio não merecia ter
sido presa dentro de uma marquise.
publicado no Record de hoje.