Se
tivesse de identificar o aspecto mais positivo da atual direção do Benfica, escolheria
a forma como tem sabido preservar a memória do clube. A recuperação do estatuto
das velhas glórias, a construção do museu e as homenagens a Eusébio e a Coluna
fazem parte de um processo mais longo, assente num princípio correto: as
instituições só têm futuro quando sabem cuidar da sua história. Depois de
demasiado tempo em que as glórias do passado eram figuras secundárias, nos
últimos anos passaram a ter um estatuto mais condizente com a identidade do Glorioso.
Lembrei-me
disto quando vi o treinador do Benfica a empurrar de forma descabelada o Shéu
Han – depois de um episódio a todos os títulos lamentável com Tim Sherwood.
Quando
comecei a ver o Benfica a jogar, já o Shéu era uma figura da equipa, com muitos
anos de clube. Por essa altura, Jorge Jesus era um obscuro jogador, formado no
Sporting. Agora que o Eusébio nos deixou, e como Shéu está há 44 anos no clube,
provavelmente não resta ninguém ligado há tanto tempo ao Benfica como ele. Não
é uma questão menor. O Benfica foi construído e constrói-se com o cavalheirismo
do Senhor Mário Coluna; o desportivismo do Eusébio; a bonomia do Toni; a paixão
do Rui Costa e, claro, a sobriedade do Shéu.
E uma
coisa eu sei: o clube ao qual devoto toda a minha admiração não pode fazer das
vitórias momentos de arrogância, nem exibir altivez perante os adversários.
Muito menos pode fazer das provocações ordinárias e do descontrolo emocional a
sua marca. A nossa grandeza fez-se com gente de outra estirpe e podemos bem
deixar para os nossos adversários a incapacidade de revelar humildade na
vitória.
Por
mais qualidades técnico-tácticas que um treinador tenha, nunca no Benfica um funcionário
transitório pode desrespeitar a nossa memória coletiva: feita de jogadores que
honraram as camisolas vermelhas com elevação. Há valores que se sobrepõem a
todos os outros – à cabeça, o respeito reverencial perante aqueles que tornaram
o Benfica no Glorioso.
A Luz Intensa, no Record de hoje.