terça-feira, 10 de junho de 2014
Enzo, o lúcido
A história do Benfica está cheia de jogadores insubstituíveis. De cada vez que se fala da saída de um jogador decisivo, logo surge o espetro do desmantelamento da equipa. Nem é preciso recuar muito no tempo, basta recordar o que se disse quando, em janeiro, Matic foi vendido – “a equipa ia ficar defensivamente desequilibrada”; “não existiam substitutos à altura”, e por aí fora. Sabemos bem o que aconteceu: a equipa (re)equilibrou-se, deixou de sofrer golos e vencemos tudo o que havia para vencer em Portugal.
Agora que é quase certo que Enzo Pérez nos vai abandonar, a questão volta a colocar-se.
Devo a este propósito fazer uma confissão: quero muito acreditar nas qualidades do departamento de scouting, na capacidade de Rui Costa para identificar craques em potência e na forma como Jorge Jesus melhora os jogadores que treina. Mas, por agora, vivo de facto uma angústia: como é que vamos manter o sistema atual, só com dois médios, sem um 8 como o Enzo?
Não sei. O sistema de jogo do Benfica exige da posição 8 mais do que de qualquer outra. Com Jesus, o 8 tem de ser forte a marcar, compensar as subidas dos extremos e ainda pautar o ritmo do jogo. Com lucidez tática, foi o que Enzo fez invariavelmente. Agressividade a ocupar espaços e uma capacidade ímpar de decidir sempre bem – umas vezes temporizando para sofrer falta, outras saindo a jogar e ainda outras com passes em profundidade. Quando for preciso ver vídeos de como se joga a 8, bastará ver um “best of” de Enzo. Mas há também o lado emocional. Num mês de maio que não esqueceremos, Enzo sofreu como nós e no seu rosto vi estampada uma angústia absoluta. Sei bem que, depois, foi dos primeiros a levantar a cabeça e que, em cada bola disputada, colocou toda a raiva acumulada na temporada passada.
Estou certo que tudo vai correr pelo melhor e que um destes jogadores que nem do YouTube consta vai revelar-se um craque estratosférico. Até lá, sofro com o vazio anunciado da camisola 35 e agradeço-te, Enzo, por teres sido um benfiquista como nós.
publicado no Record de ontem