"Numa
cena de “Homens Simples” de Hal Hartley, Martin Donovan estaciona a carrinha e,
num ambiente bucólico, grita exasperado: “não aguento o silêncio”. Depois, irrompem
as guitarras distorcidas de Kool Thing dos Sonic Youth e logo vemos os
protagonistas a ensaiarem uma coreografia em conjunto que, enquanto devolve a
memória de “Band à Part”, contrasta com a quietude que causava desconforto ao
protagonista do filme. Na ausência de outra possibilidade, o baixo materialismo
dos acordes em distorção surgia como resposta a um silêncio e a um vazio
insuportáveis.
Tem
sido notado que o elemento mais surpreendente da manifestação do passado sábado
foi o seu lado quase lúgubre. Durante longos momentos, enquanto desciam a
Avenida da Liberdade em Lisboa, milhares de pessoas caminhavam num passo
pesaroso, sem o acompanhamento das palavras de ordem que tendem a surgir nestes
momentos. O silêncio cinzento parecia ser o espelho exato do sentimento
político da manifestação. É dito com frequência que a política tem horror ao
vazio. Pode bem ser verdade, mas há momentos em que de facto o vazio político
impera.
Há,
hoje, uma coligação ampla de rejeição à estratégia política que a Europa tem
desenhado para enfrentar a crise e que o Governo português cumpre com desvelado
empenho. Contudo, não se vislumbra uma alternativa política que represente
maioritariamente o descontentamento e que tenha capacidade de inverter este
rumo. De certa forma, o silêncio dos manifestantes é a expressão política do vazio.
Se houvesse um horizonte de esperança, corporizado por uma alternativa
política, dificilmente teríamos tido manifestações tão desalentadas. (...)"
o resto do meu artigo do Expresso de 9 de Março pode ser lido aqui.