sexta-feira, 22 de agosto de 2014
Uma ilusão
Uma das transformações mais surpreendentes do futebol português nos últimos anos é de natureza lexical: a palavra “ilusão” (que significa, em português, um engano dos sentidos ou do pensamento) passou a ser utilizada também, e de forma indiscriminada, com o seu sentido castelhano (que é sensivelmente o contrário, uma esperança colocada em algo positivo). Não passa um dia sem que se leia, num jornal desportivo, um jogador a dizer que tem uma grande ilusão em relação ao seu futuro no clube A ou B.
Pois a estreia do Benfica no campeonato pode ser descrita como uma combinação do significado português e castelhano de ilusão. Há motivos para esperança, mas também há indícios de que podemos estar equivocados em relação à temporada que agora se iniciou.
A esperança alicerça-se nos sinais que foram de novo dados de que temos uma organização já consolidada, com princípios de jogo interiorizados e com jogadores capazes de os colocarem em prática. Percebe-se, em muitos momentos do jogo e, essencialmente, na dinâmica entre alguns jogadores (por exemplo, na forma como Salvio e Maxi atacam), que há muito trabalho já feito que não começou ontem. Mais, quando é preciso promover ruturas, a classe da Gaitán, Salvio e Lima emerge; da mesma forma que quando é necessário equilibrar a equipa, Luisão, Rúben e Enzo surgem.
Mas, não nos iludamos, as razões para ceticismo mantêm-se.
Continuamos com uma equipa curta. Há posições chave onde há um verdadeiro vazio – basta recordar que o ano passado tínhamos três avançados com características muito distintas, mas todos de muita qualidade (Cardozo, Rodrigo e Lima), sendo que este ano temos apenas um (Derley pode revelar-se uma aposta interessante, mas ainda não o é); até ver, os reforços não reforçaram, limitaram-se a compensar, com diminuição de qualidade, algumas das saídas; finalmente, há poucas alternativas para muitas posições.
Este Benfica chegou para o Paços de Ferreira, mas o Benfica que vimos, durante o período em que Jara e Talisca coexistiram no corredor central ofensivo, dificilmente vencerá contra adversários mais fortes.
Para já, não nos iludamos, mas continuemos com a ilusão de sempre.
publicado no Record de terça-feira