quarta-feira, 31 de maio de 2017
O Eliseu, de novo
(foto de Valter Gouveia)
Falemos de novo do Eliseu a propósito das conquistas do Glorioso esta temporada. Campeão europeu, perdeu a titularidade, acabou por jogar pouco e as oportunidades que teve foi na ausência de Grimaldo. Mas como ficou revelado pelo momento Vespa, quando foi necessário, no campo ou na bancada, mesmo com a desconfiança injustificada de muitos adeptos, o Eliseu foi um vencedor como os outros jogadores e um benfiquista como nós.
Um ‘intermezzo’. Este fim-de-semana, o Copenhaga venceu a Taça da Dinamarca – troféu que juntou ao de campeão. Nas celebrações, os jogadores aproximaram-se dos adeptos, passando-lhes a Taça. Num vídeo que se tornou justamente viral, vê-se um adepto a transportar o troféu por entre a claque. Por instantes, parece que se prepara para sair do estádio, levando a Taça consigo (quem nunca sonhou fazer o mesmo?). Mas não: aproxima-se de um fã de cadeira de rodas, incapaz de levantar sequer os braços, e ajuda-o a erguer o símbolo da vitória, para gáudio dos jogadores, que assistiam desde o relvado.
De regresso ao Jamor, há uma outra história de uma outra dobradinha, reportada pelo João Pedro Mendonça da RTP nas redes sociais: "tinha acabado tudo no relvado. Havia apenas uma dezena de adeptos na pista do Jamor. Benfiquistas, quase todos em cadeira de rodas. O Eliseu, fiel depositário da Taça, foi lá. Um a um, todos levantaram a Taça. Todos!" A festa da Taça é o momento mais exaltante do ano futebolístico. Um dia ímpar no Jamor, com adeptos que tomam conta do espetáculo (que dizer dos vimaranenses?), mas, este ano, podemos dizer que a Taça é do Eliseu. Não tendo ficado filmado, merece ser contado.
publicado no Record de 30 de Maio.
sexta-feira, 26 de maio de 2017
Queixas dos árbitros
O campeonato terminou e, pelo que se ouve, o Benfica é campeão levado ao colo pelas arbitragens. Olhemos então para os números.
O Benfica foi a equipa que mais golos marcou (72 contra 71 do Porto e 68 do Sporting) e a que menos sofreu (18, curiosamente metade dos 36 do Sporting e menos um do que o Porto). Ao maior caudal ofensivo deveria corresponder mais grandes penalidades favoráveis e até, por a equipa provocar mais problemas às defesas, mais adversários admoestados. Estranhamente, não foi o que aconteceu. O Benfica beneficiou de sete penalidades, para nove do Porto e 13 do Sporting. Com uma nota adicional, o Benfica teve apenas duas penalidades com o jogo empatado, que compara com sete do Porto e oito do Sporting. Já quanto a expulsões, o Porto lidera destacado a tabela dos beneficiados: nove adversários expulsos (284 minutos em superioridade numérica, contrastando com os 100 do Sporting e um singelo minuto para o Benfica).
Se fizermos uma análise mais fina, cingindo-nos apenas aos jogos em que o Benfica perdeu pontos, notaremos que em todos houve erros de julgamento. Também o Benfica pode afirmar: não fora os árbitros, teríamos sido campeões mais cedo.
Moral da história: todos têm razões de queixa das arbitragens (é da natureza do jogo) e o mérito está, também, na forma como se supera os erros arbitrais. No fim, o campeão tende a ser o clube com mais qualidade individual e que foi mais estável emocional e taticamente. Como benfiquista, espero, por isso, que Porto e Sporting continuem a justificar as suas prestações com o que os árbitros fazem e não com a forma como jogam. Afastam-se das vitórias e aproximam-nos dos triunfos.
publicado no Record de 23 de maio
segunda-feira, 22 de maio de 2017
A Vespa do Tetra
"De onde é que surgiu esta ideia?", questionava o repórter da BTV em direto do balneário, enquanto uma improvável Vespa surgia conduzida pelo Eliseu. Na resposta, o André Almeida dizia, "foi no momento, a nossa equipa é boa no improviso". Não só não pode ter sido ideia do momento como nada dá tanto trabalho a preparar como um bom improviso. E talvez esteja aí o segredo da conquista de mais este campeonato.
O Benfica de hoje não é dado ao improviso. É uma organização com estabilidade na gestão, que combina adaptação às mudanças do futebol com preservação da identidade fundadora do clube. Nisso, é uma Vespa: vetusta mas capaz de resistir à passagem do tempo; objeto de culto mas competitiva num mercado aberto, em velocidade de cruzeiro mas recompensadora no fim e, acima de tudo, geradora de paixões. Não há ninguém que não reconheça uma Vespa e não há ninguém que não gostasse de um dia ter uma.
Como uma Vespa, o Benfica preserva a sua inclinação popular e combina-a com sonhos realistas de grandeza. É esta a nossa identidade e a nossa aspiração.
O papel simbólico da Vespa do tetra não termina aqui. Como se pode provar pelas celebrações, mas foi visível toda a temporada, o Benfica é, de facto, uma equipa – unida nos momentos de dificuldade, capaz de mostrar maturidade competitiva onde outros claudicam. Uma equipa para a qual todos contribuem: os titulares e os que jogam menos tempo. Foi por isso um belo sinal, no dia da celebração, ter o Eliseu a conduzir a Vespa do tetra num balneário com uma alegria incontida.
publicado no Record de 16 de Maio
Liga Salazar?
Na sequência do meu artigo da semana passada, onde me indignava com a associação torpe do Benfica ao antigo regime, o Dragões Diário deu-me honras de abertura. Fico lisonjeado e espero que continuem a justificar os maus resultados desportivos do mesmo modo – estão condenados a continuar a perder. Para além de montagens fotográficas que me colocam lado a lado com um ditador sinistro – o que diz muito da gente que faz a comunicação do Porto –, sublinho que o longo texto se limita a tentar identificar as fontes do meu artigo, não refutando rigorosamente nada do que escrevi. Sim, não inventei os factos em que me baseio, mas esqueceram-se de citar o notável trabalho de Alberto Miguéns no 'Em Defesa do Benfica'.
O fundamental é que esta conversa da Liga Salazar não é um argumento repetido no submundo das redes sociais. É parte da comunicação oficial do clube. Ou seja, para o Porto já não estamos perante erros de arbitragem, mas, pelo contrário, perante uma Liga que é moralmente corrupta e que está estruturalmente destruída. A comparação com uma ditadura abjeta assim o sugere.
Imaginemos que os Lakers classificavam a NBA como Liga KKK ou que o Dortmund renomeava a Bundesliga como Liga Honecker ou o Milan apelidava o campeonato italiano de Liga Mussolini. Estou certo de que as instâncias que regem as competições teriam mão pesada. Por cá, banaliza-se tudo, até as comparações com um ditador. Só isso pode explicar o silêncio de Presidente da Liga face a uma acusação que ultrapassa todas as que foram feitas sobre o futebol português e que é particularmente aviltante para o próprio. Vai Pedro Proença ficar à espera que o Porto lhe chame Américo Tomaz?
publicado no Record de 8 de Maio
quarta-feira, 3 de maio de 2017
Campeão da Democracia
(um grupo de jovens garbosos, ainda com as gloriosas camisolas do Sport Lisboa. Encostado ao muro - sem bigode -, um tal de Marcial Freitas e Costa, meu tio-avô)
A “Liga Salazar” é o último exemplo de
uma campanha insidiosa que tenta ligar o Glorioso ao Estado Novo e que é
insultuosa para muitos que edificaram um clube eclético, plural e democrático.
Vale a pena rememorar os que se fazem esquecidos e esclarecer os ignorantes.
O Benfica nasceu da vontade de um grupo
de rapazes lisboetas de origem popular, com poucos recursos. Esse código
genético contrastante deixou marcas: enquanto tivemos vários presidentes de
meios oposicionistas (Félix Bermudes, Manuel Conceição Afonso, Ribeiro da Costa
ou Borges Coutinho), os nossos rivais eram presididos por figuras do regime
fascista (Urgel Horta e Ângelo César no Porto; Casal Ribeiro e Góis Mota no
Sporting, para referir apenas alguns). Não por acaso, após o golpe militar, o
Sporting mudava o nome do Estádio para 28 de Maio, para mais tarde inaugurar
Alvalade a 10 de Junho, e o Porto inaugurava as Antas no âmbito das
comemorações do 28 de Maio; o Benfica, quando se transferiu para a antiga
estância, recuperou o nome Campo Grande e fez questão de inaugurá-lo a 5 de
Outubro. Mais tarde, a velha Luz abriria a 1 de dezembro, apenas porque não
ficara pronta a 5 de outubro. Quem conheça um pouco de história não terá dúvidas quanto ao simbolismo das datas. Sintomaticamente, só em 1971 a Luz albergaria um
jogo da seleção nacional.
Foi também o Benfica que viu o seu hino
- Avante p’lo Benfica, da autoria de Félix Bermudes - proibido pela
censura, numa altura em que os jogadores deixaram de ser vermelhos e passaram a
encarnados. Durante a noite negra do fascismo, enquanto os sócios benfiquistas elegiam
o Presidente em eleições diretas, que enchiam a saudosa sede da Rua Jardim do Regedor,
com filas de gente que chegavam até aos Restauradores, no Porto e no Sporting
as direções eram escolhidas por conselhos de ex-dirigentes e notáveis.
Uma coisa é clara: o Benfica foi o
campeão da democracia durante o Estado Novo. Continuamos fieis a esse espírito,
sem culto de Presidentes nem revisionismos do número de títulos ou data de
fundação.
Versão mais longa de um artigo
publicado no Record de 2 de Maio de 2017
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