Na primeira metade da década
de oitenta, a história repetia-se. O Real Madrid perdia os jogos fora na Taça
dos Campeões Europeus, para depois realizar remontadas inesquecíveis no
Santiago Bernabéu. Num desses jogos, após um
derrota por 3-0 em Bruxelas, contra um super-Anderlecht, onde brilhavam, entre
outros, Scifo e Vercauteren, o Real venceria por 6-1, em Madrid, com hat-trick de Butragueño, um golo de
Sanchís e ... dois golos de Valdano. Butragueño foi o homem do jogo, mas foi
nesse momento que Valdano se fez escritor. Antes do desafio, o avançado argentino
tinha deixado um aviso: “o adversário sofrerá com o medo cénico do Bernabéu”. E
assim foi contra os belgas. À época, os adversários temiam os jogadores do
Real, mas, acima de tudo, o público nas bancadas.
Valdano utilizou
primeiro a expressão para se referir ao palco que via a Quinta del Buitre actuar, mas a ideia de que há um temor irracional a
pairar sobre um jogo de futebol, que pode contaminar os 22 jogadores em campo,
está presente em todos os estádios.
O Benfica iniciou esta época a necessitar de lidar com um verdadeiro medo
cénico: as três mortes na praia do fim da temporada passada surgiram como um
espectro, que empurrou a equipa para uma espiral recessiva. Depois de um início
aos soluços, o Benfica renasceu e recuperou de uma forma que parecia impensável,
afastando os seus fantasmas.
Vencido o estado de ansiedade do início da época, e recomposta a equipa
ao longo da temporada, restava saber se o Benfica resistia ao regresso da
ansiedade que teria de chegar com os últimos jogos. Tão difícil como o início,
seria a reta final do campeonato, em que era necessário afastar os fantasmas de
Maio. A vitória ontem contra o Rio Ave tem, por isso, um significado especial,
que vai bem para além dos três pontos que nos aproximam do título. A exibição
avassaladora, a trazer de volta o carrossel atacante, afastou de vez qualquer
medo cénico pré-vitórias finais.