O maior erro que Rui Vitória podia cometer na sua
afirmação como treinador do Benfica seria surgir como o anti-Jesus,
alguém que se pretendia afirmar renegando o modelo que foi consolidado
nos últimos anos. Por muito que um treinador tenha uma ideia de jogo que
deseja imprimir, esta não se pode traduzir numa rutura radical.
Principalmente quando pega numa equipa que vem de campanhas vitoriosas.
Num
dos poucos momentos em que foi convidado a falar sobre futebol ontem,
Rui Vitória disse isso mesmo. Entre perguntas sobre contratações,
confiança, renovações e aposta em jovens, o novo treinador do Benfica lá
conseguiu dizer alguma coisa sobre o que pretende fazer
futebolisticamente. Na entrevista à Benfica TV sublinhou que não ia
"cortar com o passado", nem "estragar nada", mas acrescentou uma ideia
diferenciadora: "vamos trabalhar para ter solução para as diversas
competições" e desenvolver "alternativas táticas", que tornem o Benfica
"mais versátil".
Para
bom entendedor, estas palavras bastam. Jorge Jesus tem muitas
qualidades como treinador, mas o Benfica dos últimos anos tinha também
uma debilidade, arriscaria dizer, estrutural. Era uma equipa com um
sistema de jogo quase único, com pouca versatilidade tática: ou
apresentava um carrossel atacante estonteante ou sofria a bom sofrer
para controlar as partidas. Não por acaso, contra equipas do seu nível, o
Benfica ficou aquém das suas possibilidades (na Champions, mas, também,
nos jogos com os principais rivais).
Se
Vitória conseguir manter-se fiel a um modelo de jogo de clube grande,
atacante e de posse, mas for capaz de acrescentar uma versatilidade
tática que Jesus, de facto, nunca imprimiu, concretizará o que prometeu.
Continuará o trabalho feito até aqui, mas juntará uma dimensão que
faltou nos últimos anos. Versatilidade é a palavra-chave para continuar o
percurso ganhador já iniciado.
publicado no Record de terça-feira