"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

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quinta-feira, 30 de junho de 2016

Os despojos do Brexit

            O Brexit torna evidente uma patologia europeia aguda, cujos sintomas só não via quem não queria, ao mesmo tempo que agudiza as causas da doença.
            Durante seis décadas, a construção europeia assentou em pressupostos lineares: a paz traria prosperidade e a prosperidade reforçaria a paz e as democracias liberais. A crise interrompeu este ciclo de otimismo e fez renascer velhos fantasmas: a xenofobia, os egoísmos de base nacional, o desemprego estrutural e a anemia económica. Estas tendências enraizaram-se e traduziram-se em clivagens sociais profundas, com uma natureza nova. Onde antes existia uma “guerra de classes”, ainda assim traduzível pelo sistema partidário, instaurou-se uma “guerra” de novos contornos, marcada pela globalização, entre os de cima e os de baixo. As elites que gerem o sistema e aprofundam a integração e um grupo crescente de excluídos dos benefícios económicos, culturais e sociais deste processo.
            Enquanto estilhaçou as clivagens partidárias do Reino Unido do pós-guerra, o referendo britânico funcionou como uma prova dos nove desta tendência. Mas para onde quer que nos viremos na Europa percebemos que os fundamentos estão presentes: uma parte muito significativa da população europeia não acredita na União Europeia e o sistema partidário do pós-guerra não sabe o que fazer com essa descrença. Umas vezes ignora os sinais e é dizimado; noutras, cavalga a onda, cede ao populismo e viola o seu código genético demoliberal.
            A consequência imediata do Brexit é, precisamente, abrir a possibilidade de fragmentação política da Europa. Passou a ser possível realizar referendos e um Estado-membro pode negociar a saída. Se, agora, para vacinar a Europa, a UE impuser condições draconianas ao Reino Unido, as consequências económicas e financeiras serão devastadoras; se a UE permitir uma saída suave, as consequências políticas serão trágicas – outros países perderão o receio.
            Com a crise económica por resolver, com uma crise financeira prestes a regressar – até com maior intensidade – e com a crise dos refugiados, a Europa só tinha uma saída política: aprofundar a integração e desenhar uma “união mais perfeita”. Mas como a UE é formada por 28 democracias, onde a soberania popular impera, este caminho é, hoje, inviável. A combinação de desemprego estrutural, projeto europeu construído nas costas dos europeus e eleitorados envenenados por retórica populista não permite qualquer veleidade para-federalista.

            Dificilmente será possível continuar a falar de uma Europa unida. O Reino Unido terá agora de gerir uma saída de contornos financeiros difíceis de antecipar e que pode fragmentar politicamente as ilhas, mas as consequências para uma Europa amarrada de forma ligeira a uma moeda única podem ser igualmente profundas. Se tudo continuar como nos últimos anos, chegará o momento em que teremos a Alemanha a repetir: “nós não somos a França”.

publicado no Expresso de 25 de Junho