Hoje é terça-feira, um dia que pode ser adequadamente descrito como
aquele que se segue a uma noite na qual, num sem número de canais das
televisões portuguesas, se discutiu para lá do absurdo quantas mãos na
bola foram intencionais ou, pelo contrário, foram bola na mão. Lances e
lances são autopsiados de todos os ângulos, sem que o processo se
traduza em qualquer tipo de aproximação à verdade desportiva. Pelo
contrário, a autópsia dos jogos de futebol tem tido um efeito contrário:
enquanto se dissecam os jogos, acentua-se a degradação do ambiente em
torno do futebol.
Esta idiossincrasia nacional tem explicações:
três pessoas em volta de uma mesa a discutir futebol é um produto
televisivo barato e que dá audiências fáceis. Mas o registo demencial
que atingem muitos destes programas não deve ser desvalorizado. E pode
bem ter consequências sérias.
Por natureza, o futebol é um espaço
de paixões e de visões feridas pela clubite. É precisamente isso que o
torna um último reduto romântico, protegido da racionalidade burocrática
que marca o resto do quotidiano. Mas há uma diferença do tamanho do
mundo em não esconder um olhar sentimental e saudavelmente parcial em
torno do futebol e deixar que esta visão se transforme numa cultura de
ódio, marcada por histrionismo e por tribalismo.
Uma cultura que
está nas televisões é amplificada nas redes sociais e encontra respaldo
em altos dirigentes que, irresponsavelmente, se comportam como líderes
de claques. É preciso gostar muito de futebol para tolerar este clima,
que, estou convencido, é alimentado por pessoas que nem sequer gostam do
jogo jogado.
publicado no Record de 3 de Janeiro