"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

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terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Mão na bola

Hoje é terça-feira, um dia que pode ser adequadamente descrito como aquele que se segue a uma noite na qual, num sem número de canais das televisões portuguesas, se discutiu para lá do absurdo quantas mãos na bola foram intencionais ou, pelo contrário, foram bola na mão. Lances e lances são autopsiados de todos os ângulos, sem que o processo se traduza em qualquer tipo de aproximação à verdade desportiva. Pelo contrário, a autópsia dos jogos de futebol tem tido um efeito contrário: enquanto se dissecam os jogos, acentua-se a degradação do ambiente em torno do futebol.

Esta idiossincrasia nacional tem explicações: três pessoas em volta de uma mesa a discutir futebol é um produto televisivo barato e que dá audiências fáceis. Mas o registo demencial que atingem muitos destes programas não deve ser desvalorizado. E pode bem ter consequências sérias.

Por natureza, o futebol é um espaço de paixões e de visões feridas pela clubite. É precisamente isso que o torna um último reduto romântico, protegido da racionalidade burocrática que marca o resto do quotidiano. Mas há uma diferença do tamanho do mundo em não esconder um olhar sentimental e saudavelmente parcial em torno do futebol e deixar que esta visão se transforme numa cultura de ódio, marcada por histrionismo e por tribalismo.

Uma cultura que está nas televisões é amplificada nas redes sociais e encontra respaldo em altos dirigentes que, irresponsavelmente, se comportam como líderes de claques. É preciso gostar muito de futebol para tolerar este clima, que, estou convencido, é alimentado por pessoas que nem sequer gostam do jogo jogado.

publicado no Record de 3 de Janeiro