Se tiver de escolher a maior injustiça do Benfica dos últimos anos,
não hesito: Aimar não teve uma despedida condigna. Pode soar estranho.
Afinal o argentino aproximava-se do fim da carreira e saiu a bem do
clube. Mais, se olharmos para as estatísticas, o mago argentino acabou
por não ter uma passagem muito frutuosa: cinco temporadas atormentadas
por lesões, 178 jogos e uns parcos 17 golos.
Escrito
assim, o pecúlio parece magro. Mas o futebol não é lugar para análises
custo-benefício e eu já vi o suficiente na Luz para saber que, no meio
de burocratas da bola, Aimar garantia a ruptura com o futebol
administrativo que, hoje, nos oferecem em excesso. Na ideia que tenho do
Benfica, as vitórias são feitas de golos e avalanches atacantes, mas
também de últimos passes líricos. Ora, entre organização coletiva,
processos de jogo e outros exercícios técnico-táticos, Aimar esteve
sempre lá para mostrar que outro mundo futebolístico continua a ser
possível.
Recordei-me disto ao ver uma fotografia de promoção ao livro 'Pelota
de Papel'. Um conjunto de contos, escritos por futebolistas, para
recuperar a memória infantil de imaginar jogos de futebol disputados com
folhas de papel amarrotadas pelo estudo. Na foto, El Payaso, autor de
um dos contos, veste uma t-shirt dos New Order e empunha uma bola de
papel na mão. Era a ligação que me faltava. Aimar é a memória do porquê
nos enamorámos pelo futebol: com ele em campo, voltámos a ser crianças
que sonham com bolas de papel. É altura de o convidarmos para a volta de
honra que não teve na Luz.
publicado no Record de terça-feira