terça-feira, 9 de outubro de 2012
Carta que enviei hoje ao Público
Como
assinante e leitor diário do Público, foi com surpresa que li na edição de terça-feira,
dia 9 de Outubro, uma peça de página dupla, publicada surpreendentemente na
secção Portugal, a propósito de um livro que se propõe “ensinar a fazer o curso
na maior”. Imagino que nas redes sociais e nas conversas entre alunos circulem
muitas dicas sobre como ter notas sem estudar ou contornando o trabalho que é
exigível a quem frequenta o ensino superior; admito, naturalmente, que haja
também quem queira beneficiar comercialmente com a divulgação dessas
estratégias (publicam-se tantos livros tontos, por que razão não se há-de
publicar mais um). O que me espanta é que o Público dê destaque em, repito,
duas páginas a um conjunto de imbecilidades e ideias estapafúrdias sobre o que
é (ou deve ser) estudar e, pior, as consequências para a vida social de se
estudar. Nem falo da ideia peregrina referida na peça de que, cito, “o
objectivo num curso é fazer as cadeiras. E isso não é sinónimo de acumular conhecimento.” Tendo em conta que, a crer na
notícia, um dos autores do livro é professor na Universidade Lusófona,
percebe-se a afirmação. Se a universidade não é um local de cultura de
exigência e de trabalho, perde a sua função. E como estamos necessitados, em
Portugal, de instituições que se movam pela exigência, trabalho e rigor (e como
é necessário que nas universidade se combata o facilitismo e a sua versão
extrema, o plágio). Mas, talvez o mais chocante da notícia é a dicotomia completamente
disparatada que é estabelecida entre “pessoa normal” e “malta que não fez isto [curtir
a vida enquanto estudava] e que acha que os alunos também não o devem fazer.
Foram ‘cromos’, tecnocratas, académicos.” Não sei em que mundo vivem os autores
do estudo ou que percurso académico tiveram, mas posso dar um sem número de
exemplos de bons alunos de ontem e também de hoje que não encaixam no perfil
definido - o que não os impediu de alcançar um patamar de excelência na vida
académica e profissional. Como os autores afirmam, “é nesta idade que
estabelecemos uma rede de contactos, fazemos amigos para a vida. E esses amigos
e contactos serão fulcrais no nosso futuro pessoal e profissional.”
Aparentemente, os autores do livro não só conheceram e conhecem pessoas que são
exemplos errados como se esqueceram de dizer que é também “nesta idade”, quando
somos estudantes universitários, que temos a melhor oportunidade da nossa vida
para “acumular conhecimento”. Um saber que será fundamental para a nossa vida,
onde a capacidade relacional não é tudo. Tenho dificuldade em perceber como é
que um jornal de referência, que é uma referência diária para mim, e que deve
ser também um exemplo de rigor e exigência, publica um artigo como este.