O saxofonista Ornette Coleman disse um dia que o
"jazz é a única música em que a mesma nota pode ser tocada noite após
noite, mas de forma diferente de cada vez". Lembrei-me do criador do
free-jazz quando este fim-de-semana assistia, pela enésima vez, ao
carrossel atacante do Benfica. E a questão é mesmo a repetição do
"carrossel atacante".
Há quatro anos que se
usa a expressão para caracterizar a forma como o Benfica ataca,
envolvendo um grande número de jogadores em movimentações imprevisíveis.
Ora parece-me bem que estamos perante um problema de denominação: se as
movimentações são imprevisíveis não podemos falar de um carrossel – por
natureza uma formação em movimento circular e sem variação.
Quando,
depois de 20 minutos de jogo, a Académica em asfixia implorava por uma
pausa para respirar, ficou, para mim, claro que a gramática à qual
obedece o Benfica não é a de um carrossel, aproxima-se mais do caos
criativo, próprio do jazz. Reparem, há um equilíbrio colectivo, mas que
está ao serviço dos desequilíbrios individuais dos solistas e que radica
num método muito trabalhado, mas quase invisível.
A
agressividade com que o Glorioso encara os jogos não se aproxima do
movimento repetitivo do carrossel. Pelo contrário, o objectivo é sempre
alterar as convenções táticas: como sugeria Coleman, tocar a mesma nota,
mas fazê-lo sempre de forma diferente. Umas vezes, com Lima a cair nas
alas, outras com Gaitán a fletir para o meio, outras com Sálvio na zona
de finalização e, claro está, com Jonas a fazer tudo bem em todo o lado.
Tal
como no jazz, mesmo nas suas variações mais radicais, esta criatividade
pressupõe uma organização que é tão mais complexa e eficaz, quanto mais
invisível e trabalhada. Afinal, nada é tão exigente como uma boa
improvisação.
Resta agora superar um desafio: exibir este caos criativo em todos os palcos e não apenas na Luz.
publicado no Record de terça-feira