Quem
tem hoje 40 anos recorda-se onde estava quando viu as imagens do muro
de Berlim a cair ou da tragédia das Twin Towers e, muito provavelmente,
sabe onde primeiro assistiu ao E.T. Cada geração tem um par de imagens
icónicas que ajudam a construir uma memória coletiva que se reproduz ao
longo do tempo. Há coisas que não se esquecem e o futebol não é exceção.
É
certo que há golos memoráveis e jogadas que somos capazes de relatar de
cabeça, mas o futebol perdura não apenas como memória afetiva do jogo
jogado. Sei onde estava quando aconteceram coisas que mudaram o mundo à
minha volta. Da mesma forma que não me esquecerei do lugar e do momento
em que vi Cantona, depois de ser expulso contra o Crystal Palace, a
avançar para a bancada e a lançar com precisão um golpe de Kung-Fu num
adepto que o insultara.
Falo disto porque se
cumpriram 20 anos desse gesto grandiloquente, que mudou o futebol
inglês, enquanto fez de um jogador notável, uma figura icónica.
Cantona
é lembrado pelo seu histórico de vitórias, por ter devolvido o Man.
Utd. a um lugar hegemónico e, até, por se ter estreado pelos red devils
contra o Glorioso, num jogo de homenagem ao Eusébio. Há também quem
sublinhe que foi um dos responsáveis pela alteração do estilo de jogo
inglês, continentalizando-o, numa altura em que a Premier League se
reinventava, tornando-se o fenómeno global que é hoje. Há um antes e
depois de Cantona no futebol inglês.
Pode
tudo ser verdade. Mas, o que recordo desse instante definidor, não é a
imprudência do gesto, o ato de pura indisciplina, é a prova de que o
futebol, na forma como tenta domesticar todos os excessos,
canalizando-os para 90 minutos de regras e táticas, exige, para se
manter vivo, momentos de respiração pura. Tirando a cabeçada de Zidane
na final do Mundial, é difícil recordar-me de outro momento tão icónico
no futebol das últimas duas décadas.
publicado no Record de terça-feira.